Notas:
(1) Algumas informações foram consultadas no Dictionnaire des Symboles, de Jean Chevalier.
(2) Ver “Les Pères du Sistème Taoïste”, de Léon Wieger, Ed. Cathasia.
(3) O mel é também um extraordinário símbolo solar, e merece um artigo à parte.
A criança que existe em todos nós reaparece encantada a cada fim de ano, frente à Árvore de Natal. Muitas famílias preservam por décadas a fio as mesmas bolas e outros enfeites, em caixas de papelão... nestes casos, o fascínio exercido é ainda maior!
Não sabíamos então e hoje mesmo poucos conhecem o magnífico simbolismo da árvore de Natal, que é o verdadeiro agente do encantamento que todos experimentamos.
Antes de tudo, é necessário esclarecer que a palavra simbolismo designa aquilo que faz a intermediação entre o nosso mundo e o mundo espiritual . É uma importante chave de comunicação e está presente em todas as formas de arte tradicional.
Não é à toa que a árvore de Natal é sempre uma conífera, isto é, produz frutos (conos) e é ela própria em forma aproximada de cone; simbolicamente, o cone (um “triângulo em rotação”) representa a Unidade (Deus) em seu vértice superior e a Natureza ou multiplicidade nos indefinidos pontos que formam sua base. Representa, pois, a Origem e a manifestação da natureza.
As coníferas atravessam o inverno mais rigoroso sem perder sua folhas ( que são perenes ) e este fato relaciona-se à permanência, isto é, o que atravessa os tempos inalterado ; a resina destas árvores é incorruptível ; o ouro também apresenta este simbolismo de valor permanente, além de sua cor amarela, que relaciona-se à luz enquanto saber.
No Japão, é este simbolismo que determina a escolha do pinheiro ou cipreste (Hinoki) para a construção de templos Xintô e confecção de instrumentos rituais (1). Nas sociedades secretas chinesas, o pinheiro figura na porta da Cidade dos Salgueiros, ou Morada da Imortalidade . O mestre Tchoang-Tseu (2) dizia: “os rigores do inverno só servem para ressaltar com mais brilho a força e a resistência do cipreste, que eles não conseguem despojar de suas folhas”.
Toda árvore representa o eixo vertical (tronco) que atravessa e une os três mundos, isto é, o espiritual, o psíquico e o material (os presentes ficam na base da árvore). É interessante observarmos que as consoantes (o “esqueleto simbólico”) de “vertical” – VRT - são os mesmo de veritas ou verdade ; é o mesmo para vertente, no sentido de origem ; o qualificativo “retidão” deriva do mesmo conceito.
A árvore da Boddhi, sob a qual Buda recebeu a iluminação, é também uma Árvore do Mundo e uma Árvore da Vida ; representa, na iconografia primitiva, o próprio Buda. Suas raízes, diz uma inscrição de Angkor, são Brahma, seu tronco é Shiva e seus ramos, Vishnu.
Como vemos, a árvore possui um simbolismo riquíssimo em todas as tradições e nos apresenta vários significados simbólicos que se sobrepõem , se esclarecem e se enriquecem mutuamente. No caso das coníferas, apontam para a Unidade, a verticalidade, a permanência (imortalidade), o cosmo e a união entre os três mundos. O simbolismo permite ultrapassar as aparências, que são tomadas como meros instrumentos para alcançar uma ordem superior de realidade.
No topo da árvore natalina, é comum encontrarmos uma estrela de cinco pontas, no caso, a Estrela de Belém. Sabemos que a palavra Deus designa Luz do Alto e a estrela representa aqui a “Cumeeira do Céu”, isto é, seu ápice e seu princípio. Princípio, por sua vez, significa o que se encontra antes do começo, isto é, sua origem ou seu Criador.
As bolas da árvore de Natal, originalmente, eram frutos de verdade e, mais precisamente, os de casca amarelada, pois seu simbolismo reporta-se aos frutos de ouro do Paraíso. Vale recordar que as Hespérides, filhas de Atlas e Hésperis, vivem num jardim de maçãs de ouro, cuja entrada é defendida por um dragão. Estes frutos paradisíacos são como “desdobramentos” do Sol (3) , cujo simbolismo é bem conhecido enquanto origem e provedor da vida.
A diversificação de formas que passaram a acompanhar as tradicionais bolas está relacionada á “ilustração” do nosso mundo. Originalmente, era guardada certa hierarquia: mais elevada (espiritual) à medida que se aproxima da ponta superior da árvore.
Esta última observação nos leva a considerar com atenção a palavra “presente”, hoje inteiramente ligada à idéia das mercadorias que se compra nas lojas, que souberam muito bem “apropriar-se” quase inteiramente dos sentimentos natalinos para convertê-los em faturamento.
“Presente”, na origem, referia-se à presença e, mais exatamente, à “Presença Divina” ; em outros termos, ligava-se à manifestação do Espírito entre os homens. Mas... convenhamos que há uma enorme diferença entre a sabedoria antiga e o brutal materialismo dos tempos modernos!
Todos sabem a respeito da modestíssima família em que Cristo nasceu ; o despojamento do mundo material é ao mesmo tempo condição e conseqüência de toda realização espiritual ; não deixa de ser um sinal dos tempos a árvore de Natal, que foi originalmente um “suporte” da manifestação do Espírito Divino, tenha se modificado para um simples enfeite onde se depositam as compras das “festas de fim de ano”.
Parte da responsabilidade desta situação pode ser creditada à própria Igreja Católica Apostólica Romana que, com o Concílio Vaticano II , na prática rompeu com suas mais sagradas tradições, misturando-se e “legitimando” o mundo moderno tal como é, com tudo o que ele representa de oposto à espiritualidade e às tradições.
Estas poucas linhas sobre o simbolismo da árvore de Natal podem nos indicar, ainda que sumariamente, algumas pistas que nos remetem aos umbrais da sabedoria tradicional; devemos, assim , manter sempre uma cautelosa reserva quando nos deparamos com “cientistas” que desprezam tal sabedoria, taxando-a de “mera superstição” de povos primitivos.
O termo “superstição” designa etimologicamente “uma forma que sobrevive ao seu próprio significado”; o fato da árvore de Natal hoje não ser mais que um enfeite (forma vazia) comercial não se enquadraria perfeitamente no conceito de “superstição” ?
Notas:
(1) Algumas informações foram consultadas no Dictionnaire des Symboles, de Jean Chevalier.
(2) Ver “Les Pères du Sistème Taoïste”, de Léon Wieger, Ed. Cathasia.
(3) O mel é também um extraordinário símbolo solar, e merece um artigo à parte.