Do livro

"Você ainda acredita em democracia?"

Capítulo III - Resgate da Verdade

Quando demonstramos que os fundamentos da democracia são absurdos e falsos, mencionamos que a natureza de cada indivíduo é necessariamente diferente da dos outros e que nenhum tipo de maioria se presta a avalizar seja o que for, de qualquer ponto de vista.

Dissemos ainda que existe uma hierarquia perfeitamente natural entre os homens e que o intelecto (e, principalmente, o Espírito, que está acima de tudo) é sempre mais importante que a força bruta. O pensamento prevalece sobre a força: é o que está expresso simbolicamente na famosa esfinge egípcia, em que o rosto humano (a sabedoria) domina o corpo de leão (a força). É o mesmo que dizer que o pensamento deve anteceder e orientar a ação. Estas são verdades tão velhas quanto o mundo.

Se levarmos esse conceito às últimas conseqüências, veremos que a própria filosofia, como admitem Platão e Aristóteles, depende de algo superior, que é a metafísica, isto é, o conhecimento transcendente: chegamos assim a um ponto decisivo, que são as religiões e as doutrinas orientais.

O homem moderno, no Ocidente ou no Oriente, é, por definição, um materialista prático; isto não o impede de ser sentimental e emocional, antes pelo contrário. Em sua orgulhosa ignorância, ele imagina ter “superado” o que considera um atraso – as religiões e doutrinas – continuamente destruídas pela ciência moderna e o progresso.

O homem moderno despreza a Igreja Católica Romana e proclama-se um evolucionista que “ama a humanidade” acima dos dogmas e “ditaduras” religiosos. Não sabe que o Vaticano II (1962) foi uma conspiração tramada para deturpar e falsificar os pilares e a estrutura da Igreja Católica Romana, uma modernização que lhe custou a própria essência e seus sagrados fundamentos. Esta igreja, em sua atual forma, não pode mais ser considerada como tal e, portanto, não se presta a referências sérias. As Igrejas cristãs orientais, estas sim, ainda guardam importantes elementos ortodoxos.

Toda religião ou doutrina constitui um organismo vivo e não “letra morta”. Seu alimento é o Espírito ou, dito de outro modo, as influências espirituais. Sua arquitetura interna e forma exterior garantem a ligação entre o céu e a terra. A palavra “religião” significa restabelecimento de uma ligação, ou de modo mais simples, uma “religação” e se aplica propriamente ao judaísmo, cristianismo e islamismo (1): são as três florações do ramo Abraâmico. As doutrinas orientais, muito anteriores, jamais romperam com suas fontes originais (Hinduísmo e Taoísmo, por exemplo).

As modificações impostas pelo Concílio Vaticano II representaram a ruptura com as sagradas tradições tanto da arquitetura interna como da forma externa da religião Católica Apostólica Romana que, lamentavelmente, é hoje algo informe, morto, uma peça de museu, irreconhecível como tradição.

Para nos limitarmos ao Ocidente, podemos dizer que o Protestantismo (1517, com Lutero), em termos estritamente religiosos, é a proclamação da “independência” em relação ao cristianismo, um rompimento (um protesto, ou melhor, negação, como diz o próprio nome da seita) aberto com toda a hierarquia católica e seus postulados tradicionais. A finalidade deste “protesto” se ligava a interesses políticos e econômicos, patrocinados pela cobiça de príncipes e soberanos alemães (2). Era necessária a criação de uma pseudo-igreja que se deixasse submeter à tirania de tais interesses, uma vez que não poderiam, nas circunstâncias da época, simplesmente proclamar a morte de Deus e da Igreja.

“Não há autoridade no protestantismo, salvo a Bíblia – e esta fica sujeita ao livre exame”, isto é, à opinião subjetiva de qualquer um de seus membros; é claro que isto desencadeou a criação de inúmeras novas seitas, às centenas, todas elas inteiramente destituídas de regularidade ou eficácia, do ponto de vista tradicional e espiritual.

É sob o manto do protestantismo que o Ocidente moderno toma um rumo decididamente materialista, tendo como instrumento Lutero e seus mentores anglo-saxões; podemos dizer que os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e a Alemanha, entre outros países, são a “realização” do projeto laico implicado no protestantismo. O Bezerro de Ouro voltou aos altares. Não é por acaso que, segundo o jornalista Laurie Goodstein (3), pastores evangélicos de vários estados americanos, Frank Graham, Jerry Falwell, Pat Robertson e Jerry Vines, entre outros, apontam o Islã como “religião maldosa e perigosa, fraudulenta e agressiva” e traçam planos para converter os muçulmanos ao protestantismo.

No que respeita às demais religiões e doutrinas, o conhecimento do homem moderno é ainda mais limitado e obscurecido por preconceitos. Repetindo os mais canhestros chavões ele pretende por fim a estes “anacronismos”, cujos fundamentos e alcance está muito longe de conceber. Por outro lado, curiosamente, é o primeiro a utilizar os “serviços terapêuticos” derivados de pseudo-religiões do tipo teosofismo e espiritismo (4), verdadeiros simulacros destinados a arrebanhar as classes média e baixa, desenraizadas de suas próprias tradições. Mais recentemente, com a homogeneização “cultural”, poucos escapam da mediocridade, não importando sua classe de origem.

No entanto, como o homem moderno se julga um ser “racional” e, portanto, acima dos “fanáticos e ignorantes”, deveria respeitar ao menos suas próprias convicções, fazendo valer, por exemplo, a lógica em seus raciocínios.

E é mediante a lógica que examinaremos, no próximo capítulo, o ponto fundamental de todas as religiões e doutrinas tradicionais, isto é, a existência de Deus ou do Princípio Único de todas as coisas.

Notas:

1. Se considerarmos as várias vertentes ou formas tradicionais da humanidade, verificamos que as três religiões mencionadas representam potencialmente um grau limitado de realização espiritual. As doutrinas orientais, como o hinduísmo, taoísmo e outras formas esotéricas, além da “salvação da alma” (que é até onde chegam as religiões), permitem a realização espiritual completa, isto é, a Identificação Suprema. Religiões e doutrinas orientais não se opõem: constituem dois âmbitos hierarquicamente distintos, porém complementares.

2. Ver, de René Guénon, Autorité Spirituelle et Pouvoir Temporel, pp 86-89, Paris, 1984, Editions Vega.

3. The New York Times, (1º/jul/2003).

4. Ver, de René Guenon, Le Théosophisme, Histoire d’une Pseudo-Religion, Paris, 1982 e L’Erreur Spirite Paris, 1984, Éditions Traditionnelles. É curioso observar que o “racionalista” moderno não hesita em freqüentar cerimônias de “candomblé”, que são resíduos degenerados de tradições terminais africanas, ou de “ler a sorte” com o tarô, fragmento da decomposição de antigas tradições herdadas por “povos em tribulação”, neste caso, os ciganos.