Kon-Tan: a lanterna cosmológica

de Luiz Pontual

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KON-TAN significa, ao pé da letra, “Palácio de Luz”. Os ideogramas chineses, como toda escritura sagrada, sempre nos permite uma segunda leitura, simbólica : assim, Kon Tan designa “Morada (palácio) da Sabedoria (luz)”.

A palavra “iluminação”, em todas as autênticas doutrinas orientais, eqüivale ao Conhecimento (1) por excelência.

Kon-Tan é a tradicional e bem conhecida lanterna chinesa de madeira laqueada com diversas “janelas” retangulares em vidro, delicadamente desenhadas. O modelo básico possui 6 lados e 12 janelas, distribuídas em dois “andares”, conforme ilustração (fig. 1).
Antes de tudo, é interessante ressaltar que simbolismo, no contexto das doutrinas orientais, é o que proporciona a comunicação entre dois mundos, isto é, o manifestado (natureza) e o espiritual, ou, em outros termos, entre o físico e o metafísico.

Para entendermos um pouco melhor este conceito, basta lembrar que os índios Sioux, por exemplo, não são “adoradores do sol” ou panteístas como tanto insistem os acadêmicos ; a contemplação do sol enquanto símbolo significa abstrair-se de sua aparência e concentrar-se em seu simbolismo, que está relacionado à idéia de princípio (origem ) , luz ( saber ) e à sustentação da vida (2).

Podemos dizer que num contexto tradicional toda arte, sem exceção, é simbólica, incluindo nisto até os pequenos objetos de uso cotidiano, como um pente ou um colar (3). Os objetos têm sua utilidade “prática” , sem dúvida, mas acima disto são representações simbólicas que recordam e “transportam” os que são capazes de interpretá-las. É como se cada coisa proporcionasse, simultaneamente à sua utilidade , um saber transcendente...

Retomando nosso tema central, faremos algumas indicações sobre o simbolismo do Kon-Tan ; descobriremos esta lanterna como uma síntese cosmológica do milenar conhecimento tradicional chinês, que remonta a Fo-hi, (3700 anos AC), autor do Yi-king ou “O Livro das Mutações” (4) .

A Kon-Tan é uma lanterna com seis faces e doze janelas ; vista de cima, sua armação de madeira tem forma hexagonal com três hastes cruzadas , apresentando a aparência deste esquema :

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Sabemos que o numero seis ou o senário, simbolicamente representa a união do macrocosmo com o microcosmo e o selo de Salomão é um exemplo deste conceito. O seis é também o número das direções espaciais, isto é, norte, sul, leste, oeste, zênite e nadir.
Cada uma das seis extremidades de haste é uma cabeça de Dragão (5), de cuja boca pende um cordão de seda [“Lon”(6)] , amarelo e/ou vermelho ; em escala um pouco menor, a mesma forma hexagonal se repete na parte inferior da lanterna.

No centro do esquema (fig. 2), em preto, temos um hemisfério (metade de uma esfera), através da qual uma haste liga-se à corrente de sustentação do Kon-Tan ; na parte inferior, temos o hemisfério complementar, no qual uma haste prende o cordão de seda principal : encontra-se no centro, é mais longo e espesso.

Cada janela tem sua moldura, ricamente entalhada e recortada, com formas que representam o ar (em cima) e a água (embaixo). A parte interna da lanterna é vazia, não havendo um eixo material que a atravesse; ali é disposto o lume ( à base de resina ou cera ) ou, mais recentemente, a lâmpada elétrica. Os vidros opacos são pintados no tradicional estilo das obras-primas da “escola do Sul” da China , que se distinguem pela delicadeza e despojamento requintado dos meios e o caráter “espontâneo” do procedimento da técnica da aquarela . Ora, estas pinturas da “escola do Sul”, - designação que não tem um sentido geográfico, mas simboliza uma tendência - do Budismo chinês - representa na realidade a pintura taoísta, ta1 como tem sido perpetuada no quadro do Budismo DHYANA chinês e japonês (7) .

Com freqüência, estas pinturas retratam paisagens geomânticas (8) vistas desde doze ângulos diferentes . Como exemplo, é comum apreciarmos nas aquarelas um pequeno templo à beira de uma falésia; montanhas rochosas, lagos e rios, nuvens e vapores numa doce e imperceptível transição desde o solo até o céu.
Familiarizados com os elementos constitutivos e a forma geral da Kon-Tan, podemos iniciar algumas considerações sobre seu simbolismo.

Vimos que na parte superior e inferior da estrutura de madeira que sustenta as janelas existem dois hemisférios : unidas as duas metades , representam o “ovo do mundo ” (9), cuja “fecundação” produz a cosmogênese (10); traspassando o eixo do hemisfério superior, há um gancho que se liga à “corrente dos mundos” (11) (o Sûtrâtmâ (12) do Hinduísmo) , ou ao encadeamento sucessivo dos vários planos de existência, dos quais nosso mundo é um deles.

A Kon-Tan possui seis faces superiores e seis inferiores, perfazendo o número doze, que se refere ao ciclo anual e às doze janelas zodiacais (13). Cada uma das seis faces é dominada por um dragão extremo-oriental ; este conhecido símbolo chinês apresenta a cabeça alada, tronco superior com traços de animal terrestre e sua extremidade inferior com escamas e rabo de peixe ; é o Dragão Pontífice, por dominar e interligar os três mundos : o celeste, o intermediário e o terrestre.

Assim como no Cristianismo e em outras formas tradicionais, o Verbo está no Princípio ; da boca do dragão (“Long”) sai a vertente (“Lon”) de seda amarela e vermelha, representando o Logos ( verbo) como luz e força ; cada cordão de seda representa a influência espiritual que rodeia e sustenta os mundos. O centro da lanterna , vazio, é a sede da Luz ; seu eixo invisível, é o “Pilar Diamantino”, cujo prolongamento inferior sustenta o principal pingente de seda, que simboliza o Rei-Sacerdote, que ocupa por isso posição central no conjunto. O Taoísmo afirma : “do centro imóvel, como o cubo de uma roda, depende a rotação dos mundos”.

Do ponto de vista mais exterior ou superficial, o Kon-Tan espelha o mundo multifacetado através de suas doze janelas; este mundo é iluminado por uma luz interna e é sustentado por uma corrente e seis dragões. No entanto, se considerarmos esta lanterna em profundidade, isto é, desde um ângulo simbólico, ocorre uma verdadeira transformação, no estrito significado etimológico desta palavra : “para além das formas”.

Cada plano aparente que vemos é compreendido, “dominado” e elidido, cedendo lugar a novo aprofundamento, e assim sucessivamente, até que não estamos mais vendo lanterna alguma porque somos vertiginosamente transportados à sua própria essência. Quando isto ocorre, o superficial já não significa nada. Desaparece.
Neste caso, quem vê as paisagens pintadas nas janelas de vidro, na verdade está vendo a harmonia dos elementos naturais em sua máxima manifestação, o que remete o observador à síntese tempo-espaço.

A forma mesma do Kon-Tan sugere tal síntese ao combinar imagens , proporções e ritmo aos números cíclicos (3, 6, 12,36, 108 etc) (14) que determinam a arquitetura de sua estrutura. Esta primeira síntese remete o privilegiado observador à luz que sustenta toda a aparência ou manifestação, luz que não é vista diretamente, mas que está na origem de tudo, associada ao Verbo, que é Long, o dragão cosmológico. Este Dragão está desdobrado em seis no Kon-Tan, pois vimos que o senário sintetiza o macrocosmo e o microcosmo; da sua boca verte o amarelo e o vermelho no tecido da seda, o Verbo enquanto luz e força, o tecido como a trama e a urdidura dos mundos ...(15)

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Assim, uma nova luz ilumina o Kon-Tan, de fora para dentro e de dentro para fora, como a diástole e a sístole do coração, que difunde e resgata força e saber ; desde os Dragões, o agora Observador é alavancado num instante ao Centro através da convergência dos raios negros (ver figura 2) que remetem ao hemisfério superior.

Entre os dois hemisférios (fig.6) , já numa perspectiva interna , há a Luz que sustenta os mundos (fig.5) e neste instante um e outro (além do observador) se unem, e, desaparecido o mundo exterior vemos simultaneamente o ovo negro original ( fig. 4 ), no qual tudo foi reintegrado. Este Ovo ( negro, pois sem a Escuridão não existiria Luz ) é um mundo em potência, entre indefinidos outros da cadeia dos mundos, representada simbolicamente pela corrente (Sûtrâtmâ )que sustenta o Kon-Tan.

Estas breves indicações talvez possam proporcionar aos apreciadores da estética (16) uma nova luz sobre a arte tradicional em geral , cuja raiz e razão de ser é o Conhecimento por excelência.

Podemos dizer que o Kon-Tan – a lanterna cosmológica - é uma exteriorização ou emanação deste Saber, impregnada de simbolismo, que é o veículo que transporta e resgata os “buscadores” (17) ao próprio Conhecimento.

Notas:

(1) “Conhecimento”, no contexto das doutrinas orientais não é mera acumulação do saber, mas a realização espiritual efetiva que lhe é inerente.

(2) Consultar o livro de Alce Negro (Hehaka Sapa em Sioux) “La Pipa Sagrada”, Ediciones Taurus, Madrid.

(3) Titus Burckhardt e Ananda K. Coomaraswamy são insuperáveis na exposição deste tema.

(4) Ver “Taoïsme et Confuncianisme”, de René Guénon, cap. X de “Ésotérisme islamique et Taoïsme”, Ed. Gallimard.

(5) Dragão é “Lung” em chinês, que apresenta curiosa assonância com Logos ( o Verbo ).

(6) Mais uma notável assonância, concordante com Logos e “Lung”.

(7) Ver, de Titus Burckhardt, “A paisagem na arte extremo-oriental” , capítulo VII do extraordinário “Principes et Méthodes de L’Art Sacré”, Dervy-Livres.

(8) Refere-se à geografia sagrada, que qualifica determinados lugares.

(9) Ver capítulo XXXII em “Símbolos da Ciência Sagrada”, de René Guénon, Ed. Pensamento, SP.

(10) Literalmente, “nascimento do mundo ”.

(11) Ver capítulo LVI em “Símbolos da Ciência Sagrada”

(12) O Sûtrâtmâ é o fio condutor das influências celestes ; corda ou corrente simbólica que liga entre si os mundos ou estados de existência ; um colar de pérolas ou um terço “ilustram” tal conceito.

(13) Idem, capítulo XXXVI.

(14) Não é por acaso que o espaço é medido pelo sistema decimal e o tempo por múltiplos de 3. Ver a este respeito o importantíssimo “La Pensée Chinoise” de Marcel Granet, Ed. Albin Michel.

(15) Ver cap. XIV “Le Symbolisme du tissage”, em “Le Symbolisme de la Croix”, de René Guénon, Les Éditions Vêga, Paris.

(16) Palavra cuja etimologia é pouco conhecida, e, no entanto, reveladora : significa “irritação superficial” ( cf. Ananda K. Coomaraswamy ).

(17) Não temos a citação bíblica “buscas e acharás”?