Seyyed

O Homem e a Natureza

Continuação e fim do Cap. I "O Problema"

Conferência/Livro por S.H. Nasr

O caráter quantitativo da ciência moderna tem que ser assinalado, em particular, porque existe como uma tendência geral que tem por ideal a redução de toda qualidade em favor da quantidade e de tudo que é essencial, no sentido metafísico, em favor do material e substancial.17 O sufocante ambiente material criado pela industrialização e mecanização, que é sentido por todos que vivem nos grandes centros urbanos de hoje, é uma conseqüência da natureza puramente material e quantitativa das ciências, cujas aplicações tornaram possível essa industrialização. Além disso, devido à falta de uma visão total de natureza científica do mundo, em que as ciências modernas pudessem ser integradas, o próprio aspecto simbólico do número e da quantidade é esquecido. A teoria pitagórico-platônica dos números passou a assemelhar-se, como aconteceu com outras tantas ciências tradicionais, a uma história da carochinha.

As ciências quantitativas da natureza, que ainda por cima têm a possibilidade, nas devidas circunstâncias, de ser uma ciência legítima, vêm a ser, na realidade, as únicas ciências válidas e aceitáveis da natureza. Qualquer outro conhecimento das ordens cósmica e natural é destituído da condição de ciência e relegado à categoria de sentimentalismo ou superstição. É como se a ciência tivesse imposto como condição, para sua aceitação, a rejeição do conhecimento sobre as raízes da própria existência, embora muitos cientistas, individualmente, não partilhem deste ponto de vista.(18) O impacto total da ciência moderna na mentalidade dos homens tem sido fornecer-lhes um conhecimento dos fenômenos das coisas, contando que estejam dispostos a esquecer o conhecimento da substância, que é o fundamento de todas as coisas. E é esta limitação que ameaça as mais imperiosas circunstâncias para o homem como ser integral.(19 )

A própria aparência restritiva associada à ciência moderna torna impossível o conhecimento da cosmologia, em seu verdadeiro sentido, segundo os moldes da visão atual do mundo científico. A cosmologia é uma ciência que trata de todas as ordens de realidade formal, da qual a ordem material é apenas um aspecto. É uma ciência sagrada que se destina a ligar-se à revelação e à doutrina metafísica, em cujo seio, por si só, torna-se eficaz e plena de significado. Hoje não há uma cosmologia moderna, e a utilização da palavra é na realidade a usurpação de um termo cujo significado original foi esquecido.(20)

Uma cosmologia que se baseia unicamente no nível material e corpóreo da existência, ainda que este nível se estenda às galáxias, e que além disso se baseia em conjecturas individuais que lt modificam dia a dia, não é uma cosmologia verdadeira, li uma visão generalizada de uma química e de uma física terrestres, e como foi assinalado por certos teólogos e filósofos cristãos, é realmente desprovida de qualquer sentido teológico direto, a não ser que seja por mero acaso.(21) Além disso, está baseada em uma física material que tende a uma análise e divisão da matéria sempre crescentes, com o ideal de alcançar a matéria "final" na base do universo; entretanto, apenas um ideal, que jamais poderá ser atingido por causa da ambigüidade e ininteligibilidade inerentes à natureza da matéria e à linha divisória do caos que separa a matéria formal daquela "matéria pura" que os filósofos medievais denominaram matéria prima.(22)

O desaparecimento no Ocidente de uma cosmologia verdadeira deve-se em geral à negligência para com a metafísica e, mais particularmente, ao esquecimento das hierarquias do ser e do conhecimento. Os múltiplos níveis de realidade são reduzidos a um único domínio psicofísico, como se a terceira dimensão fosse subitamente retirada de nossa visão no ato de contemplarmos uma paisagem. Como resultado, não só a cosmologia ficou reduzida às ciências específicas das substâncias materiais, mas, em um sentido mais geral, a tendência de reduzir o mais elevado ao mais baixo e inversamente tentar obter o superior a partir do inferior tornou-se amplamente predominante. Na realidade, com a destruição de toda noção de hierarquia desapareceram a relação entre os graus de conhecimento e a correspondência entre os vários níveis de realidade, nos quais se baseavam as ciências primitivas e medievais, fazendo com que estas parecessem superstição (no sentido etimológico da palavra) e com algo cujo princípio ou base foi destruído ou esquecido.

A metafísica, igualmente, foi reduzida à filosofia racionalista e esta filosofia tornou-se, gradativamente, auxiliar das ciências matemáticas e naturais, ao ponto de algumas escolas modernas considerarem que o único papel da filosofia seja a elucidação de métodos e o esclarecimento das coerências lógicas das ciências. A função crítica independente que a razão deve exercer sobre a ciência, que é criação sua, desapareceu, de forma que este jovem rebento da mente do homem tornou-se o juiz dos valores humanos e o critério da verdade. Neste processo de redução, em que o próprio papel crítico e independente da filosofia cedeu lugar aos editos da ciência moderna, muitas vezes foi esquecido que a própria revolução científica do século dezessete baseou-se em uma determinada posição filosófica. Ela não é a ciência da natureza, mas uma ciência que faz certas suposições, como a respeito da natureza da realidade, do tempo, do espaço, da matéria etc.23 Mas, uma vez que essas suposições tenham sido feitas, e que uma ciência tenha passado a existir baseada nessas mesmas suposições, estas foram comodamente esquecidas, passando os resultados desta ciência a ser o fator determinante quando à verdadeira natureza da realidade (24). É por isso que se faz necessário ocuparmo-nos, embora ligeiramente, da visão dos modernos cientistas e filósofos da ciência com respeito à importância da ciência moderna, especialmente a física, na determinação do significado da natureza total das coisas. Quer gostemos, quer não, são precisamente estas visões que determinam a maior parte da concepção moderna da natureza aceita pelo público em geral, e são, por isso, elementos importantes no problema geral do confronto homem e natureza.

Sem nos atermos aos detalhes que dizem respeito às diferentes escolas de filosofia da ciência, tarefa para qual OUtrOfl estão bem melhor preparados que nós e que foi, na verdade, conduzida de forma completa em diversos trabalhos recentes,25 é necessário descrever algumas das tendências que pertencem mais diretamente à nossa discussão. Dentre estas escolas, talvez a de maior influência, certamente nos países de língua inglesa, tenha sido o positivismo lógico, nascido a partir do círculo de Viena, de R. Carnap, P. Frank, H. Reichenbach e outros.26 Buscando remover o último espectro de significado metafísico da ciência moderna, os seguidores desta escola acreditam que não compete à ciência descobrir a natureza das coisas ou de alguns aspectos do real, mas sim estabelecer ligações entre os sinais matemáticos e físicos (que eles chamam símbolos), que podem ser elaborados por meio dos sentidos externos e instrumentos científicos, em relação àquela experiência que a nós se apresenta como o mundo exterior.

Embora esta escola tenha sido instrumental ao codificar e esclarecer algumas definições e procedimentos lógicos da ciência moderna, a física em particular, ela também destituiu a ciência do elemento mais importante que a Idade Média lhe legou, a saber, a busca do real. Ao contrário dos astrônomos e matemáticos gregos, para quem o papel das ciências matemáticas era conceber modelos conceituais "que resguardassem os fenômenos", os cientistas islamitas, depois seguidos pelos latinos, acreditavam que, mesmo nos domínios das ciências matemáticas, a função da ciência era descobrir um aspecto do real. Aplicaram o realismo da biologia e da física aristotélicas aos domínios da ciência matemática mais exata da época, a saber, a astronomia, e converteram o sistema epicíclico de Ptolomeu, a partir de configurações matemáticas, em es feras cristalinas que compunham uma parte da textura real do Universo.

Em uma obra posterior de Ptolomeu faz-se evidentemente alusão à natureza cristalina dos céus, embora fossem os matemáticos islamitas, seguidos depois pelos cientistas latinos, que universalizaram esta indicação e tornaram-na princípio de toda ciência para buscar conhecimento daquele domínio da realidade que lhe diz respeito. Esta atitude era de tal importância que, apesar da revolta do século dezessete, especialmente contra o aristotelismo, a crença de que a ciência busca descobrir a natureza da realidade física sobreviveu desde Galileu e Newton até os tempos modernos. Tem-se também de acrescentar que os positivistas, que alegam estarem retornando ao ponto de vista dos matemáticos e astrônomos gregos contra o realismo dos eripatéticos, esqueceram-se do fato de que os matemáticos gregos também estavam buscando um conhecimento do real. Para eles, entretanto, a realidade não estava nos fenômenos, mas nas relações matemáticas, que possuíam por si mesmas uma categoria ontológica graças à filosofia pitagórica, da qual seus pensamentos estavam impregnados.

A interpretação positivista da ciência é, na realidade, uma meta para desontologizá-la completamente — não pela transferência da categoria ontológica do domínio físico para o universo pitagórico-platônico dos arquétipos ligados à matemática, mas pela negação total de sua significação ontológica. É com justiça que um crítico da escola positivista como J. Maritain a acuse de confundir uma análise empirista das coisas com a análise ontológica desta mesma escola, acrescentando que a física moderna "desontologiza as coisas".(27) Igualmente, certos filósofos da ciência, destacando-se E. Mayerson, insistiram no aspecto ontológico que toda ciência deve necessariamente possuir.(28)

Muito parecida com a atitude positivista é a atitude I dos operacionalistas, associada quase sempre, no domínio da física, ao nome de P. Bridgman. Fundamentada na idéia de desdém pela visão unificada do mundo e por uma metodologia monolítica para a ciência, esta escola limita toda significação, em ciência, a operações que podem definir seus conceitos. A operação em si, com mais razão que o real, é a matriz suprema do conhecimento científico. Há na filosofia operacional uma nuança do universo pluralístico de William James, a saber, o desdém por uma visão filosófica e metodológica para a ciência, característica da mentalidade anglo-saxônica em geral, quando comparada com a mentalidade do continente europeu. Podemos recordar o famoso dito: "A ciência é o que os cientistas fazem". Há diferentes domínios de investigação carentes de uma teoria unificada e universal;(29) "Antes um multiverso que um Universo", para citar a frase de R. Oppenheimer.

Uma outra escola, que também tem afinidades com o ponto de vista positivista em sua negação de uma ligação entre os conceitos da ciência e o real, é algumas vezes chamada de lógica não-realista. Dentre seus membros, os mais destacados são H. Poincaré e P. Duhem, ambos matemáticos e físicos de renome. Duhem é ainda um eminente historiador da ciência,30 e da mesma forma, em de terminado sentido, também o é E. Maeh, físico e filósofo e historiador da ciência. A questão quanto a se outras formas de conhecimento podem atingir o terreno da realidade é aqui irrelevante, pois os diferentes membros desta escola sustentaram diferentes pontos de vista sobre o assunto. Onde todos concordam é que os conceitos derivados da intelecção, e que constituem as leis e o conteúdo inquestionáveis da ciência moderna, não são aspectos descobertos da realidade com aparência ontológica. São antes conceitos mentais irredutíveis e convenções subjetivas de natureza lingüística estabelecidos pelos cientistas, de forma que possam, por sua vez, estabelecer uma linguagem para se comunicarem uns com os outros. Portanto, a ciência é concebida mais como conhecimento de noções subjetivas do que como conhecimento de uma realidade objetiva.(31)

Há outros, como E. Cassirer, seguido por H. Morgenau, que aceitam os conceitos irredutíveis da ciência e os empregam, mas unicamente como conceitos reguladores. Para eles estes conceitos são aceitos "como se" existissem, mas possuem apenas uma categoria reguladora.32 Este grupo, que foi denominado meokantista, precisamente devido a sua aceitação da categoria als ob dos conceitos, um ponto de vista que depois de Kant seria sistematizado por Vaihinger, tem portanto de ser considerado não-realista e contrário a conceder à ciência o poder de compreender a natureza das coisas.

Há ainda o grupo dos realistas lógicos, oposto aos dois acima, para o qual os conceitos derivados por meio do intelecto têm uma categoria logicamente realista; referem-se a um objeto ontológico de conhecimento. Neste grupo podem ser mencionados A. Grünebaum e F. S. C. Northrop, ambos enfatizando a correspondência entre os conceitos da física matemática e o real.33 Northrop em particular procura mostrar que tanto o universo newtoniano-kantista da física matemática quanto a visão qualitativa da natureza enfatizada por Goethe, que ele chama de visão histórica natural, e cujo conhecimento é antes imediato e estético que absoluto e matemático, são fundamentalmente reais.34 O mundo é antes ordem ou cosmos que caos, aquele que está vivo como organismo e, ao mesmo tempo, é governado pela lei.35 Mas, nesta escola, novamente é enfatizado que o conhecimento derivado das ciências é a via que nos conduz a um conhecimento definitivo das coisas. Não há hierarquia de conhecimento, apenas um conhecimento do domínio corporal que determina o conhecimento como tal.

Entre os próprios cientistas, especialmente os físicos, houve muitos que perceberam que a ciência, por estar limitada às relações quantitativas, não pode nunca obter um conhecimento da natureza básica e da raiz das coisas, mas está condenada a mover-se sempre dentro dos limites do mundo fechado e subjetivo das "leituras de mostradores" e conceitos matemáticos. Esta visão, popularizada especialmente por A. Eddington (36) e, sob outro ângulo, por J. Jeans, foi utilizada em grande escala por não-cientistas para mostrar as limitações da ciência ou o caráter "ideal" do mundo. Mais uma vez, entretanto, esta visão não serviu ao propósito de definir o domínio do conhecimento científico dentro de uma hierarquia universal de conhecimento. Não obstante, a tese de Eddington, de que a ciência, devido a seus métodos, é seletiva e limitada a um "conhecimento subjetivamente selecionado", é certamente significativa; contudo, trata apenas de um aspecto da realidade, e não do seu todo, na questão da relação entre ciência, filosofia e religião. É um ponto de vista que, embora de maneira bem diferente, foi também exposto por A. Whitehead. Sua filosofia processo da natureza também buscou exibir a riqueza de uma realidade de que a ciência trata apenas em parte.(37)

Outros cientistas insistiram que, ao contrário de ser uma busca metodológica unificada, a ciência está tão inextricavelmente atada à história e à prática da ciência que suas premissas não podem ser formuladas independentemente.(38) É uma atividade total, e não há possibilidade de se falar de uma filosofia e método da ciência distintos e explícitos. Da mesma forma, alguns cientistas insistem que a física ou outras ciências não podem provar ou refutar qualquer tese filosófica específica, quer seja materialista, quer idealista, e que não se devem buscar implicações de pontos de vista e teorias científicas.39 Desnecessário dizer, esta perspectiva não é totalmente aceita, principalmente pelos não-cientistas, vulgarizadores da ciência que, quase sempre, vêem mais implicações gerais nas teorias científicas que os próprios cientistas.

Em contraste com este grupo, certos cientistas viram as mais profundas implicações nas teorias da ciência moderna, seja ela mecânica da relatividade ou quântica, sejam as teorias corpusculares da luz ou o princípio de indeterminação.40 Com demasiada freqüência, a significação de uma determinada descoberta científica é trazida a um nível muito acima dos confins do domínio da própria física, como se as restrições auto-impostas da ciência moderna, pelas quais sua escolha limita-se ao aspecto quan titativo das coisas, fossem não existentes. Faz-se com que a teoria da relatividade implique que não haja nada absoluto, como se toda realidade fosse apenas movimento físico. Faz-se com que o princípio de indeterminação signifique a liberdade da vontade humana, ou a perda de um nexo de causalidade entre as coisas. A própria hipótese da evolução, um fruto da filosofia do século dezenove, torna-se um dogma da biologia, apresentado ao mundo como uma verdade axiomática e, além disso, uma moda mental que invade todos os domínios, de forma que nada é estudado em essência, mas apenas sua evolução ou história.

Nesta questão os não-cientistas foram, de fato, muito mais longe que os próprios cientistas, especialmente em biologia e na questão da evolução. Algumas vezes, para uma determinada verdade religiosa ou filosófica, apresentam-se as provas mais superficiais, como se a única prova aceitável fossem as teorias científicas recentemente descobertas. Quantas vezes se tem ouvido, em salas de aula e dos púlpitos, que a física, através do princípio de indeterminação, "permite" ao homem ser livre, como se o que há de menor pudesse determinar o grandioso, ou como se a liberdade humana pudesse ser determinada externamente por uma ciência que está contida na própria consciência do homem.

Tem-se de acrescentar que muitos físicos estão seriamente interessados em problemas filosóficos e religiosos, muitas vezes mais do que aqueles que lidam com ciências sociais e psicológicas. Além disso, alguns físicos, ao tentarem encontrar soluções para os dilemas a eles impostos pela física moderna, voltaram-se para as doutrinas orientais — geralmente com genuíno interesse, mas raramente com a atitude intelectual necessária para a apreensão da total significação das mesmas. Dentre os mais seriamente interessados neste campo pode-se mencionar R. Oppenheimer e E. Schrodinger. O último, que muito tem escrito sobre a filosofia da física moderna, em seu especial interesse no problema da multiplicidade de consciências que partilham do universo, voltou-se para as doutrinas hindus em busca de uma solução. Para explicar esta multiplicidade, ele crê que um dentre dois milagres tenha de ser verdade, ou a existência de um mundo externo real, ou a aceitação de que todas as coisas e todas as consciências sejam aspectos de uma única realidade, o Uno.41 O mundo que não diz respeito a "mim" é maya, a consciência que diz "eu". A metafísica oriental acrescentaria, a esta altura, que não se trata de uma questão de escolher entre os dois milagres. Ambos são verdades, mas cada um em seu próprio nível. O milagre da existência, em si, é o maior de todos os milagres, para aqueles que vivem no domínio das coisas existentes, enquanto do ponto de vista do Uno, o Absoluto, não há "existência de outros" ou "separação". Todas as coisas são uma, não material e substancialmente, mas interna e essencialmente. Mais uma vez é a questão de se perceber os níveis de realidade e a hierarquia dos diferentes domínios de existir.

Tampouco os cientistas foram totalmente negligentes a respeito dos problemas teológicos e religiosos causados pela vulgarização da visão científica e a negação de suas limitações inerentes. Uns poucos, como C. F. Weizsácker, estiveram mesmo ocupados com o ceticismo gerado pela ciência moderna e tentaram tratar de forma expressiva os confrontos da teologia com a ciência moderna.42 Neste domínio, estes escritos são algumas vezes mais sérios e pertinentes que algumas das obras de teólogos profissionais. Este último grupo negou de forma singular a questão da natureza e, quando a considerou, freqüentemente foi levado a problemas irrelevantes ou secundários. Autores religiosos freqüentemente demonstraram, ainda por cima, uma sensação de inferioridade e medo ante a ciência moderna, o que conduziu a uma submissão e aceitação ainda maiores das visões científicas, com o objetivo de apaziguar o oponente. (43) Entretanto, uns poucos cientistas abordaram o problema sem estas limitações e, portanto, foram capazes de tecer comentários pertinentes. (44)

Para resumir o apanhado de opiniões correntes sobre a filosofia da ciência, pode-se dizer que em sua maior parte a filosofia e, na verdade, o uso geral da própria inteligência foram entregues à ciência. Há evidentemente as escolas européias do existencialismo e da fenomenologia, que entretanto tiveram pequeno efeito sobre o movimento científico.(45) A interpretação fenomenológica da ciência teve até agora pequena influência. O existencialismo, em essência, elimina as relações do homem com a natureza e pouco se interessa com as questões científicas. No meio deste apanhado geral, há aqueles que buscam demonstrar as limitações da ciência, e outros que exploram com genuíno interesse os problemas do confronto entre ciência, filosofia e religião. Mas, através deste complexo panorama geral, o único fator que está presente em quase toda parte é a falta de um conhecimento metafísico, de uma scientia sacra que por si só possa determinar os graus da realidade e da ciência. Somente este conhecimento pode revelar a significação, simbólica e espiritual, das próprias teorias e descobertas científicas cada vez mais complexas que, na ausência deste conhecimento, parecem fatos consumados, opacos e à margem de uma ordem mais elevada de verdades.(46)

Na medida em que estamos interessados no aspecto espiritual do confronto entre homem e natureza, é também importante discutirmos brevemente os pontos de vista dos teólogos e pensadores cristãos sobre este assunto, além dos pontos de vista dos filósofos da ciência acima citados. É preciso que se diga, de início, que houve uma estranha negação deste domínio entre teólogos cristãos, principalmente os protestantes. A maioria das tendências teológicas de destaque trataram do homem e da história e concentraram-se antes na questão da redenção do homem como um indivíduo isolado que na redenção de todas as coisas. A teologia de P. Tillich está centrada no problema de supremo interesse na área da existência que inclui o sagrado e o profano, voltando-se mais para o papel existencial do homem na história e sua posição mais como um ser isolado ante Deus que como uma parte da criação e no interior do próprio cosmos, considerado como hierofania. Ainda mais afastados desta questão encontram-se teólogos como K. Barth e E. Brunner, que ergueram uma muralha de ferro em torno do universo da natureza.47 Acreditam que a natureza nada pode ensinar ao homem a respeito de Deus e, portanto, não é de interesse teológico ou espiritual.48 Da mesma forma, para os desmitificadores como R. Bultmann, ao invés de penetrarem no significado interno do mito, como símbolo de uma realidade transcendente que diz respeito à relação entre o homem e Deus, na história como no cosmos, negam também o significado espiritual da natureza, reduzindo-a à categoria de um cenário artificial e desprovido de sentido para a vida do homem moderno.

Não obstante, há uns poucos que perceberam a importância da natureza como base para a vida religiosa e de uma ciência religiosa da natureza como elemento na vida integral de um cristão.49 Compreenderam a necessidade de acreditar que a criação exibe a marca do Criador a fim de poderem ter uma fé sólida na própria religião.50
Já passou o dia em que se acreditava, pelo menos em muitos centros acadêmicos de destaque, que a ciência, em sua marcha progressiva, destruiria as muralhas da teologia, cujos princípios imutáveis apresentam-se, do ponto de vista de um dinamismo sentimental, como dogma rígido e empedernido.51 Há cientistas que compreendem e respeitam a importância da disciplina teológica, enquanto certos teólogos cristãos têm afirmado que a visão científica moderna, devido a seu rompimento com a hermética concepção mecanicista da física clássica, é mais compatível com o ponto de vista cristão.52 Este argumento tem sido de fato veiculado em tantos setores, que as pessoas começaram a se esquecer de que a visão secularizada da ciência moderna, uma vez retirada das mãos dos cientistas profissionais e apresentada ao público, constitui um grande obstáculo à compreensão religiosa das coisas.

Apesar de, num determinado sentido, a própria destruição de uma concepção monolítica e mecanicista do mundo ter dado um certo "espaço" para outras opiniões "respirarem", a atual popularização das teorias científicas e da tecnologia privou ainda mais o homem de um contato direto com a natureza e de uma concepção religiosa do universo. O "Pai nosso que está no céu" torna-se incompreensível a uma pessoa que a sociedade industrializada privou da autoridade patriarcal de um chefe de família e àquele para quem o céu perdeu o significado religioso e deixou de estar em qualquer "lugar", graças aos vôos dos cosmonautas. Apenas com respeito à relação teórica entre ciência e religião é que se pode dizer, de certa forma, que a visão científica moderna é menos compatível com o Cristianismo que as visões dos séculos XVIII e XIX.

Sem esquecer o caráter transitório das teorias científicas, outros escritores cristãos alertaram contra a hábil e muito simples harmonia entre religião e ciência, em que se fazem comparações superficiais entre os dois domínios. Com demasiada freqüência apresentam-se os princípios e crenças da religião, que são transcendentes e imutáveis, como estando em conformidade com os últimos achados da ciência, mais uma vez seguindo a famosa tendência de reduzir o mais grandioso ao mais inferior.(53) Além do mais, no momento em que este processo de colocar a teologia em conformidade com as teorias científicas correntes é cumprido e a religião se faz "razoável" para parecer "científica", as próprias teorias científicas já saíram de moda. Neste domínio, pode-se dizer na pior das hipóteses que no seio de um grupo pequeno, porém significativo, há uma reação contra a atitude simplista que prevaleceu em certos períodos do século XIX, embora ao nível das massas haja um refúgio muito maior na religião, ante o que se apresenta como científico, que em qualquer época anterior.

Todavia, outros escritores enfatizaram a íntima relação entre Cristianismo e ciência ao assimilarem que muitas das suposições fundamentais da ciência, como a crença na ordenação do mundo, a inteligibilidade do universo natural e a confiabilidade da razão humana, dependem da visão religiosa e, mais especificamente, cristã de um mundo criado por Deus, onde o Verbo se fez carne.(54) Alguns relacionaram o problema da unidade e multiplicidade na natureza à Trindade do Cristianismo,(55) enquanto outros insistiram que somente o Cristianismo, em um sentido positivo, tornou possível a ciência.(56) Mas, em todos estes casos, é de se admirar a validade total desta afirmação, se tomarmos em consideração a existência das ciências da natureza em outras civilizações (especialmente a islamita). Estas ciências insistem antes na unidade que na trindade. Além disso, temos de considerar o estrago causado pela ciência moderna e suas aplicações no seio do própria universo do Cristianismo.
De forma mais específica, a relação entre sujeito e objeto, como sustenta a ciência moderna, é tida no cristianismo como derivada da relação entre o espírito e a carne.57 A ordem do Universo é identificada com a Mente

Notas:

16 "... nosso conhecimento (dos fenômenos cósmicos) tem de ser tanto simbolicamente verdadeiro quanto fisicamente adequado; no segundo caso, tem de reter para nós uma inteligibilidade, dado que sem isto toda a ciência é inútil e nociva." F. Schuon, Light on the Ancient Worlds (trad. de Lord Northbourne): Londres, 1965, p. 105.

17 Para uma análise profunda desta questão em todos os seus aspectos, ver R. Guénon, The Reign of Quantity and the Signs of the Times (trad. de Lord Northbourne): Londres, 1953.

18 "A ciência moderna, portanto, pede-nos para sacrificarmos boa parte daquilo que nos blinda a realidade do mundo, oferecendo-nos em troca esquemas matemáticos cuja única vantagem é auxiliar-nos a manipular a matéria em seu próprio plano, o da quantidade." T. Burckhardt, "Cosmology and Modern Science", Tomorrow, verão de 1964, p. 186.

19 "Poder-se-ia também demonstrar que a ciência, embora neutra em si mesma — dado que fatos são fatos — é nada menos que uma semente de corrupção e aniquilamento nas mãos do homem, que em geral não tem conhecimento suficiente da natureza subjacente da Existência para ser capaz de integrar — e portanto neutralizar — os fatos da ciência em uma visão total do mundo." Schuon, op. cit., p. 38.

20 "... toda cosmologia genuína está ligada a uma relação divina, mesmo que o objeto considerado e o modo de sua expressão estejam situados aparentemente fora da mensagem que esta revelação transmite. Tal é o caso, por exemplo, da cosmologia cristã, cuja origem se apresenta à primeira vista um tanto heterogênea, dado que se referepor um lado, aos relatos bíblicos da criação, mesmo quando se baseia, por outro lado, na herança dos cosmólogos gregos." T. Burckhardt, "Cosmology and Modern Science", Tomorrow, verão de 1964, p. 182.

21 Ver por exemplo E. C. Mascai, Christian Theology and Natural Science: Londres, 1956, Capítulo IV.

22 "A ciência moderna jamais alcançará aquela matéria que se encontra na base deste mundo. Mas entre o mundo qualitativamente diferenciado e a matéria não diferenciada acha-se algo como que uma zona intermediária: o caos. Os temíveis perigos que acompanham a fissão atômica são nada mais nada menos do que um mostrador indicando a fronteira do caos e da dissolução." T. Burckhardt, "Cosmology and Modern Science", p. 190.

23 Este fato, evidentemente, foi percebido por certos historiadores da ciência e filosofia, como E. A. Burtt em seu livro Metaphyaical Founãations of Modern Physical Science: Londres, 1925; e A. Koyré em seus muitos trabalhos magistrais sobre o Renascimento e a ciência do século dezessete. Mas este fato é freqüentemente esquecido por um grande número de filósofos e historiadores da ciência.

24 "Qualquer um familiarizado com o escrito e a fala contemporâneos sabe que as pessoas estão mais dispostas a aceitar a física como ver dade e a empregá-la para construir uma "filosofia" do que a inves tigar os métodos da física, suas pressuposições e as bases filosóficas destas." E. F. Caldin, The Power and Limita of Science, a Philosophi-cal Study: Londres, 1949, p. 42.

25 Ver por exemplo, M. White, The Ape of Analysis: Nova York, 1955; A. W. Levi. Philosophy and the Modem World: Bloominrton, 1959: Ch. Gillisuie, The Edge of Obiectivity: Princeton, 1960, e A. Danto e S. Morgenbesser (orgs.), Philosophy of Science: Nova York, 1960.

26 A respeito do Círculo de Viena e da escola do positivismo, ver P. Frank, Modem Science and its Philosophy: Cambridge, 1950, e Levi, op. cit.

27 Ver seu ensaio, "Science, Philosophy and Paith", em Science, Phiposophy and Religion, a Symposium: Nova York, 1941, p. 166. A respeito da Escola de Viena ele escreve: "O erro essencial desta escola é confundir aquilo que é verdade (com certas restrições) sobre á ciência dos fenômenos com aquilo que é verdade de toda ciência e em todo conhecimento em geral, de todo saber científico. É aplicar universalmente a todo conhecimento humano aquilo que é válido apenas para uma de suas esferas especificas. Isto conduz a uma negação absoluta da metafísica e à arrogante pretensão de negar que as suposições metafísicas tenham algum sentido". Pp. 169-70. P. Frank descreve esta atitude como "A superstição positivista a respeito da ciência positiva." P. 170.

28 Ver especialmente seu De l'Explication dans les sciences, 2 vols.: Paris, 1921.

29 Esta tendência de falar-se de "universos de investigação" e a oposição a qualquer "hipótese unificada do mundo" derivada das ciências são também enfatizadas por J. B. Conant em seu livro Modem, Science and Modern Man: Nova York, 1952, especialmente pp. 84 e ss. Quanto à filosofia "operacional" da ciência, ver. P. Bridgman, Logic of Modem Physics: Nova York, 1927.

30 Vide H. Poincaré, Science and Hypothesis: Nova York, 1952, especialmente os Capítulos IX e X; e o seu La Valeur de Ia science: Paris, 1948. Também, P. Duhem, "Essai sur la notion de théorie physique de Platon à Galilée", Annales de philosophie chrétienne: Paris, 1908; Origines de Ia statique, 2 vols.: Paris, 1905-6; e The Aim and Structure of Psycal Theory (trad. de P. Wierner) : Princeton, 1954. Embora alguns tenham interpretado a posição de Mach como alegando que esta trata antes de conceitos que de fatos objetivos, os positivistas alegam que a principal mensagem de seus mais impor tantes trabalhos Beiträge zur Analyse der Empfindungen e Die Mechanik in ihrer Ent-wickelung é remover todos os traços de metafísica da ciência e, por conseguinte, unificá-la, uma unificação da ciência através da eliminação da metafísica! É de se admirar de como é possível confundir unidade com uniformidade e tentar unificar qualquer domínio da multiplicidade sem um princípio que transcenda essa multiplicidade. A respeito de Mach vide C. B. Weinberg, Mach's Empirio-Pragmatism in Physical Science: Nova York, 1937.

31 Como o colocou Poincaré, "Tout ce qui n'est pas pensée est le pur néant". La Valeur de Ia science, p. 276. Esta é uma indicação clara do subjetivismo tão característico de pensamento moderno, porque a "pensée" aqui em questão não está de forma alguma ligada ao Intelecto objetivo, mas é puramente subjetiva e modificável, como a própria natureza externa do homem.

32 Ver E. Cassirer, The Problem of Knowledge (trad. de W. Woglom e C. Hendel): New Haven, 1950; Substance and Function, La Salle, 1923; e H. Morgenau, The Nature of Physical Reality: Nova York, 1950.

33 F. S. C. Northrop, The Meeting of East and West: Nova York, 1946; e Man, Nature and God, a Quest for Life's Meaning: Nova York, 1962.

34 "Um dos resultados mais importantes da filosofia da ciência natural de nossos próprios dias é sua demonstração de que o conhecimento sensual e esteticamente imediato da história natural que Goethe enfatizou e o conhecimento matemático da natureza, teoricamente designado e experimentalmente verificado, que Newton e Kant enfatizaram, são ambos igualmente definitivos, irredutíveis e reais." Man, Nature and God, pp. 153-4. A respeito das visões de Kant e Goethe relativas à natureza, ver E. Cassirer, Rousseau-Kant-Goethe: Princeton, 1945.

35 "A natureza é um organismo universalmente regido por leis. É um cosmo, não um caos..." Man, Nature and God, p. 229.

36 Ver J. Jeans, Physics and Philosophy: Cambridge, 1942; e The New Background of Science: Nova York, 1933; A. Eddington, The Philosophy of Physical Science: Nova York, 1958, e especialmente seu The Nature of the Physical World: Cambridge, 1932, que provavelmente influenciou mais amplamente do que qualquer outro trabalho deste tipo escrito por um cientista moderno. Certos físicos, ao contrário de Eddington, dirigiram-se à própria física em busca de provas da existência e natureza de Deus. Ver por exemplo E. Whittaker, Space and Spirit, Theories of the Universe and the Arguments for the Existence of God: Londres, 1946.

37 Ver especialmente A. N. Whitehead, Process and Reality: Nova York, 1929; The Concepts of Nature: Cambridge, 1920; e Science and the Modem World: Nova York, 1948. Whitehead censura a pobreza da concepção científica da natureza que exclui as realidades da religião e da arte e busca construir uma visão totalmente abrangente da natureza. "Assim, a ciência da natureza coloca-se em oposição às pressuposições do humanismo. Onde se tenta alguma conciliação, a coisa com freqüência toma a forma de uma espécie de misticismo. Mas em geral não há conciliação", Nature and Life: Chicago, 1934, p. 4.

38 "... As premissas da ciência não podem ser explicitamente formuladas, e podem ser encontradas, autenticamente manifestadas, apenas na prática da ciência, da forma como é mantida pela tradição da mesma." M. Polayni, Science, Faith and Society: Chicago, 1964, p. 85.

39 "De forma que a ciência, seja antiga ou moderna, não pode jamais, sem contradizer-se, provar uma tese idealística e permitir-se a ser uma base para se atacar um ponto de vista empírico-realista. Pensadores idealistas têm que procurar outros meios de realizar sua nobre missão. Mas, por outro lado, a ciência não pode também ser utilizada para erigir uma tese materialista." P. J. Chaudhury, The Phiosophy of Science: Calcutá, 1955.

40 Um renomado físico moderno, W. Heisenberg, escreve: "Assim como os corpos elementares regulares da filosofia de Platão, as partículas elementares da física moderna são definidas pelas condições? matemáticas de simetria; não são eternas e invariáveis e, portanto, dificilmente o que se poderia chamar de "real" no verdadeiro sentido da palavra. Antes, são simples representações dessas estruturas matemáticas fundamentais às quais se chega nas tentativas de se subdividir progressivamente a matéria; representam o conteúdo das leis fundamentais da natureza. Para a ciência natural moderna não há mais, de início, o objeto material, mas a forma, simetria matemática. E dado que a simetria matemática é, em última análise, um conteúdo intelectual, poderíamos dizer, nas palavras do Fausto de Goethe; "No início era o verbo, o logos". Conhecer este logos em todos os seus detalhes particulares e com clareza total, com respeito à estrutura fundamental da matéria, é tarefa dos físicos atômicos dos dias atuais..." W. Heisenberg, M. Bom, E. Schrodinger, P. Anger, On Modem Physics: Nova York, 1961, p. 19. Embora esta afirmação seja até certo ponto verdadeira no que diz serem todas leis naturais e a compreensão inteligível do conteúdo destas provenientes do próprio logos, está certamente confundindo o reflexo com a própria coisa ao identificar o conteúdo intelectual da simetria matemática com o próprio logos. O significado desta simetria existe e é sentido pelos físicos, mas somente a metafísica pode mostrar que ela é uma aplicação de um princípio mais universal. Sem a metafísica, incide-se novamente no erro de reduzir o mais elevado ao mais baixo, o Verbo à inteligibilidade matemática da forma dos objetos materiais.

41 A respeito da doutrina da identidade, que oferece tanto um con teúdo ético mais elevado quanto um consolo mais profundo que o materialismo, E. Schrodinger escreve: "O materialismo nada oferece; embora haja muitas pessoas que se convençam de que a idéia que a astronomia nos fornece de miríades de sóis, talvez com planetas inabitados, e de uma multiplicidade de galáxias, cada uma com miríades de sóis, e finalmente de um universo provavelmente finito, nos proporciona uma espécie de visão ética e religiosamente consoladora, transmitida aos nossos sentidos pelo panorama indescritível do céu estrelado numa noite clara. Para mim, pessoalmente, tudo isso é maya, não obstante, sob uma forma muito interessante, exibindo leis de grande regularidade. Isto tem pouco a ver com minha herança eterna (para me expressar de forma absolutamente medieval)". E. Schrcdinger, My View of the World: Cambridge, 1964, p. 107.

42 "O ceticismo foi o privilégio de uns poucos homens de saber que sobreviveram porque erguia-se então a sua volta um mundo de fé inabalável. Hoje, o ceticismo se infiltrou nas massas e abalou os alicerces de sua ordem de vida. Agora, são os homens de saber que estão assustados." C. F. Weizsácker, The History of N'ature: Chicago, 1949, p. 177.

43 "Praticamente todas as tentativas que se fizeram para construir um acesso sobre o vazio existente entre a teologia e as ciências partiram da teologia." Yarnold, The Spiritual Crisis of the Scientifie Age, pp. 54-5.

44 O tipo de trabalho de cientistas a que aqui nos referimos é exemplificado por C. P. von Weizsácker, The Relevance of Science: Londres, 1964. Ver também os escritos do botânico A. Arber, especialmente The: Manifold and the One: Londres, 1957, que contém uma extensa bibliografia sobre a concepção tradicional da natureza.

45 Apareceram certos trabalhos de fenomenologistas que dizem respeito à ciência, mas que até agora não receberam muita atenção dos próprios cientistas. Ver por exemplo E. Stroker, Philosophische Untersuchungen zum Raum: Frankfurt am Main, 1965, sobre a noção de espaço quando pertinente à filosofia, à física e à matemática. Ver também M. Scheler, Man's Place in Nature (trad. de H. Meyerhoff) : Boston, 1961, a última obra de Scheler, onde a visão unificada do homem e o mundo a sua volta, característica da fenomenologia, é exposta. Para um resumo da interação da fenomenologia e ciência, especialmente quando diz respeito à posição do homem, no mundo, ver A. Tymieniecka, Phenomenology and Science in Contemporary European Thought: Nova York, 1962.

46 "Assim, o quadro do universo apresentado pela ciência moderna torna-se cada vez mais complexo, obscuro e longínquo com relação ao quadro natural. Não obstante, independente de qualquer questão quanto a sua relativa validade, ele existe como fator influente no pen samento contemporâneo; assim sendo, ele é parte de nós mesmos e parto do universo. Sua causa final, portanto, não pode ser outra que a causa final de todas as coisas, e como todas as coisas, incluindo o quadro natural, o quadro científico pode ser visto como um símbolo de sua causa, quer dizer, como um reflexo parcial dessa causa sobre o pla no das aparências. Mas quando se considera apenas sua forma exteriorizada, essa forma transforma-se num véu quase impenetrável, ocultando as causas; contudo, caso seu significado simbólico possa ser descoberto, o mesmo pode revelar a causa." Lord Northbourne, "Pictures of the Universe", p. 275.

47 Um dos seguidores desta escola, K. Heim, mostrou algum interesse em ciência, como se vê em seu livro Christian Faith and Natural Science: Nova York, 1953. Mas os problemas mais profundos envolvidos não foram pesquisados a fundo, especialmente quando diziam respeito à questão do significado simbólico dos fenômenos naturais e seu sentido religioso.

48 Pode-se assinalar, de passagem, que certamente não é acidental o fato de a teologia barthiana mostrar desinteresse pelo estudo da natureza quanto da religião comparativa. Tanto o cosmo como as outras religiões aparecem como um domínio "natural", à parte do domínio da graça, do qual a teologia cristã deve se ocupar.

49 Ver, por exemplo, J. Oman, The Nature and the Supernatural". Cambridge, 1936.

50 "Somente uma crença inabalável de que 'as coisas que são feitas', a despeito da Queda e suas conseqüências, realmente manifestam a verdadeira natureza de seu Fazedor pode fornecer algum fundamento para uma fé razoável." C. E. Raven, Natural Religion and Christian Theology: Cambridge, 1953, p. 137.

51 Referimo-nos aqui ao ponto de vista tão característico dos escritos da passagem do século, tal como A History of the Warfare of Science and Theology in Christendom, de A. D. White, 2 vols.: Nova York, 1960.

52 "Mas é imediatamente evidente que a descrição geral da estrutura do universo, como apresentada pela ciência nos dias atuais, é muito mais simpática à hipótese teísta, como a temos considerado, do que eram as teorias científicas prevalecentes nos séculos dezoito e dezenove." W. Temple, Nature, Man and God: Nova York, 1949, p. 474.

53 "Não posso pensar em nenhum desserviço maior que pudesse ser feito à religião cristã do que limitá-la com argumentos baseados em confusões verbais ou com visões científicas que são meramente temporárias." Mascall, Christian Theology and Natural Science, p. 166.

54 Ver Smethurst, Modem Science and Christian Belief, pp. 17-18.
"Somente a fé católico-cristã total pode fornecer tanto as crenças teológicas e filosóficas necessárias que se requer para justificar o estudo da natureza do universo pelo método científico, como também o ímpeto e a inspiração que impelirão o homem a levar a cabo este estudo." Ibid., p. 20.

55 Ver por exemplo R. G. Collingwood, Essay on Metaphysics: Oxford, 1940, p. 227.

56 "Estou convencido de que só o Cristianismo tornou possíveis tanto a ciência positiva quanto as técnicas." N. Berdyaev, The Meaning of History: Londres, 1935, p. 113.

57 Ver W. Temple, Nature, Man and God, p. 478, onde o autor acrescenta que o Cristianismo é capaz de dominar a matéria, precisamente porque, em contraste com outras religiões como, por exemplo, o hinduísmo, é o cristianismo "a mais declaradamente materialista de todas as grandes religiões". "Creio que a distância que existe, na mente do homem moderno, entre o sujeito e o objeto é um legado direto da distância do cristianismo para com o mundo." von Weizsãeker, The History of Nature, p. 190.