Guenon estuda“Aperçus sur L’Initiation", de René Guénon Éditions Traditionnelles, Paris - 1946

"Considerações sobre a Iniciação"
Capítulos XXI, XXII, XXIII e XXIV

Tradução: Igor Silva

Capítulo XXI: Dos Pretensos Poderes Psíquicos

Para acabar com a magia e com as demais coisas da mesma ordem, devemos tratar ainda de outra questão, a dos pretendidos «poderes» psíquicos, que, além do mais, leva-nos de novo mais diretamente ao que concerne à iniciação ou, ainda, aos enganos cometidos a seu respeito, posto que há alguns, como o dissemos no início, que lhe atribuem expressamente como meta «o desenvolvimento dos poderes psíquicos latentes no homem». O que chamam assim não é outra coisa no fundo que a faculdade de produzir «fenômenos» mais ou menos extraordinários e, de fato, a maior parte das escolas pseudo-esotéricas ou pseudo-iniciáticas do ocidente moderno não oferecem nada mais; trata-se de uma verdadeira obsessão na grande maioria de seus aderentes, que se iludem sobre o valor desses «poderes» até o ponto de tomá-los como o sinal de um desenvolvimento espiritual, e inclusive como sua finalidade, enquanto que, inclusive quando não são simples miragem da imaginação, dependem unicamente do domínio psíquico que, na realidade, não tem nada que ver com o espiritual e, o mais freqüentemente, não são mais que um obstáculo para a aquisição de toda verdadeira espiritualidade.

Esta ilusão sobre a natureza e o alcance dos «poderes» em questão está associada o mais freqüentemente a esse interesse excessivo pela «magia» que tem também por causa, assim como já o observamos, a mesma paixão pelos «fenômenos» que é tão característica da mentalidade ocidental moderna; mas aqui se introduz outro equívoco que é bom assinalar: a verdade é que não há «poderes mágicos», embora se encontre a todo instante esta expressão, não só naqueles a quem fazemos alusão, mas também, por uma curiosa coincidência no engano, naqueles que se esforçam em combater suas tendências, embora não sejam menos ignorantes que outros sobre o fundo das coisas. A magia deveria ser tratada como a ciência natural e experimental que é na realidade; por estranhos ou excepcionais que possam ser os fenômenos dos quais se ocupa, ainda assim não são mais «transcendentes» que outros, e o mago, quando provoca tais fenômenos, simplesmente faz aplicar o conhecimento que tem de algumas leis naturais, as do domínio sutil ao qual pertencem as forças que põe em jogo. Assim, nisso não há nenhum «poder» extraordinário, como tampouco o há naquele que, tendo estudado uma ciência qualquer, põe em prática os resultados disso; dir-se-á, por exemplo, que um médico possui «poderes» porque, sabendo que remédio convém a tal ou qual enfermidade, cura esta mediante o remédio em questão? Entre o mago e o possuidor de «poderes» psíquicos, há uma diferença bastante comparável à que existe, na ordem corporal, entre o que cumpre certo trabalho com a ajuda de uma máquina e o que o realiza sozinho com o meio da força ou da habilidade de seu organismo; um e outro operam efetivamente no mesmo domínio, mas não da mesma maneira. Por outra parte, trate-se de magia ou de «poderes», em todo caso não se trata, repetimo-lo, absolutamente de nada espiritual nem de iniciático; assim, se marcamos a diferença entre as duas coisas, não é porque alguma valha mais que a outra sob nosso ponto de vista; mas sim porque é sempre necessário saber exatamente do que se fala e dissipar as confusões que têm curso sobre este tema.
Em alguns indivíduos, os «poderes» psíquicos são algo completamente espontâneo, o efeito de uma simples aptidão que se desenvolve por si só; é muito evidente que, nesse caso, não há nenhum motivo para tirar vaidade disso, como tampouco o há para tirar a de nenhuma outra aptidão qualquer, posto que não dão testemunho de nenhuma «realização» expressa, e posto que, inclusive, aquele que os possui pode não suspeitar a existência de tal coisa: se nunca não tiver ouvido falar de «iniciação», não lhe virá certamente a idéia de acreditar-se «iniciado», porque vê coisas que todo mundo não vê, ou porque tem às vezes sonhos «premonitórios», ou porque se lhe ocorre curar um doente por simples contato, e sem que ele mesmo saiba como acontece isso. Mas há também o caso onde semelhantes «poderes» são adquiridos ou desenvolvidos artificialmente, como o resultado de alguns «treinamentos» especiais; isso é mais perigoso, já que se produz raramente sem provocar um certo desequilíbrio; e, ao mesmo tempo, é neste caso onde a ilusão se produz mais facilmente: há pessoas que estão persuadidas de que obtiveram alguns «poderes», perfeitamente imaginários de fato, seja simplesmente sob a influência de seu desejo e de uma espécie de «idéia fixa», seja pelo efeito de uma sugestão que exerce sobre eles, alguém desses meios onde se praticam de ordinário os «treinamentos» deste gênero. É aí sobretudo onde se fala de «iniciação» a torto e a direito, identificando-a mais ou menos à aquisição desses muito famosos «poderes»; assim, não é de sentir saudades que alguns espíritos débeis ou ignorantes se deixem fascinar de certo modo por semelhantes pretensões, que, não obstante, basta para reduzir a nada a constatação da existência do primeiro caso de que falamos, posto que, nesse caso, encontram-se «poderes» completamente semelhantes, quando não inclusive mais desenvolvidos e mais autênticos, sem que haja nisso o menor rastro de «iniciação» real ou suposta. O que talvez seja mais singular e mais dificilmente compreensível é que, aos possuidores destes «poderes» espontâneos, ocorre-se-lhes entrar em contato com esses mesmos meios pseudo-iniciáticos, sendo, às vezes, levados a acreditar, eles também, que são «iniciados»; certamente, deveriam saber melhor a que ater-se sobre o caráter real dessas faculdades que, além do mais, num grau ou noutro, encontram-se em muitos meninos muito ordinários, embora freqüentemente, desaparecem depois mais ou menos rapidamente. A única desculpa para todas essas ilusões, é que nenhum daqueles que as provocam e que as mantêm em si mesmos ou em outros tem a menor noção do que é a verdadeira iniciação; mas, bem entendido, isso não atenua em modo algum seu perigo, seja quanto às perturbações psíquicas e inclusive fisiológicas que são o acompanhamento habitual desta espécie de coisas, ou seja quanto às conseqüências mais remotas, embora mais graves, de um desenvolvimento desordenado de possibilidades inferiores que, como já o dissemos em outra parte, vai diretamente ao reverso da espiritualidade (1).

É particularmente importante destacar que os «poderes» de que se trata podem coexistir muito bem com a ignorância doutrinal mais completa, assim como é muito fácil constatá-lo, por exemplo, na maior parte dos «clarividentes» e dos «curandeiros»; isso só provaria suficientemente que não têm a menor relação com a iniciação, cuja meta não pode ser mais que de puro conhecimento. Ao mesmo tempo, isso mostra que sua obtenção está desprovida de todo interesse verdadeiro, posto que aquele que os possui não está por isso mais avançado na realização de seu ser próprio, realização que apenas se constitui unida com o próprio conhecimento efetivo; não representam mais que algumas aquisições completamente contingentes e transitórias, exatamente comparáveis nisso ao desenvolvimento corporal, que ao menos não representa os mesmos perigos; e inclusive as poucas vantagens não menos contingentes que pode contribuir seu exercício não compensam certamente os inconvenientes aos quais acabamos de fazer alusão. Além disso, essas vantagens não consistem muito freqüentemente mais que em deslumbrar aos ingênuos e em se fazer admirar por eles, ou em outras satisfações não menos vãs e pueris; e fazer exibição desses «poderes» é já fazer prova de uma mentalidade incompatível com toda iniciação, embora seja do grau mais elementar; o que dizer então daqueles que se servem deles para fazer-se passar por «grandes iniciados»? Não insistiremos mais, já que tudo isto não depende mais que do charlatanismo, inclusive se os «poderes» em questão são reais em sua ordem; efetivamente, não é a realidade dos fenômenos como tais o que importa aqui sobretudo, mas sim mas bem o valor e o alcance que convém lhes atribuir.

Não é duvidoso que, inclusive naqueles cuja boa fé é incontestável, a parte da sugestão é muito grande em tudo isso; para se convencer disso, não há mais que considerar um caso como o dos «clarividentes», cujas pretendidas «revelações» estão tão longe como é possível de estar de acordo entre elas, mas, pelo contrário, estão sempre em relação com suas próprias idéias ou as de seu meio ou da escola à qual pertencem. Não obstante, suponhamos que se trate de coisas inteiramente reais, o que, além disso, tem mais possibilidades de produzir-se quando a «clarividência» é espontânea que quando foi desenvolvida artificialmente; inclusive neste caso, não se compreende por que o que é visto ou ouvido no mundo psíquico teria que ter, de uma maneira geral, mais interesse ou importância da que tem, no mundo corporal, o que ocorre a cada um ver ou ouvir o passear-se por uma rua: gente cuja maior parte lhe são desconhecidas ou indiferentes, incidentes que não lhe concernem em nada, fragmentos de conversações incoerentes ou inclusive ininteligíveis, e assim sucessivamente; esta comparação é certamente a que dá a idéia mais justa do que apresenta de fato ao «clarividente» voluntário ou involuntário. O primeiro tem mais desculpa de equivocar-se a respeito, no sentido de que deve sentir alguma dor em reconhecer que todos seus esforços, prosseguidos às vezes durante anos, não desemboquem finalmente mais que em um resultado tão irrisório; mas, no que concerne ao «clarividente» espontâneo, a coisa deveria lhe parecer completamente natural, como é efetivamente, e, se não ocorresse muito freqüentemente que se lhe persuade de que é extraordinária, não pensaria nunca, sem dúvida, em se preocupar mais do que encontra no domínio psíquico que do que encontra em seu análogo do domínio corporal, nem em procurar significações maravilhosas ou complicadas ao que está desprovido delas na imensa maioria dos casos. Para falar a verdade, há efetivamente uma razão em tudo, inclusive para o fato mais ínfimo e mais indiferente na aparência, mas nos importa tão pouco que não tomamos em conta e não sentimos nenhuma necessidade de procurá-la, ao menos quando se trata do que se conveio chamar «a vida ordinária», quer dizer, em suma, dos acontecimentos do mundo corporal; se a mesma regra fosse observada a respeito do mundo psíquico (que no fundo não é menos «ordinário» em si mesmo, senão quanto às percepções que temos dele), quantas divagações nos seriam economizadas! É certo que para isso seria mister um grau de equilíbrio mental do qual, infelizmente, os «clarividentes», inclusive espontâneos, não estão dotados senão muito raramente, e com maior razão ainda aqueles que sofreram os «treinamentos» psíquicos dos quais falamos mais atrás. Seja como for, este «desinteresse» total a respeito dos fenômenos não é por isso menos estritamente necessário para quem quer que seja que, encontrando-se provido de faculdades deste gênero, queira apesar disso empreender uma realização de ordem espiritual; quanto a aquele que não está provido delas naturalmente, muito longe de esforçar-se por obtê-las, deve estimar ao contrário que para ele isso é uma vantagem muito apreciável em vista dessa mesma realização, no sentido de que terá assim muitos menos obstáculos que apartar; além disso, voltaremos em seguida sobre este último ponto.

Em suma, a própria palavra «poderes», quando empregada assim, tem o grande inconveniente de evocar a idéia de uma superioridade que estas coisas não implicam de maneira nenhuma; ainda que se possa aceitá-la, não o seria mais que como um simples sinônimo de «faculdades» que, além do mais, tem etimologicamente um sentido quase idêntico (2); efetivamente, tratam-se de possibilidades do ser, mas de possibilidades que não têm nada de «transcendentes», posto que são inteiramente da ordem individual, e posto que, inclusive nesta ordem, estão muito longe de ser as mais elevadas e as mais dignas de atenção. Quanto a lhes conferir um valor iniciático qualquer, ainda que seja a título simplesmente auxiliar ou preparatório, seria completamente o oposto da verdade; e, como a nossos olhos unicamente esta conta, devemos dizer as coisas tal como são, sem nos preocupar do que pode agradar ou desagradar a quem quer que seja; os possuidores de «poderes» psíquicos cometeriam certamente um grande engano ao nos considerar com rancor, já que com isso apenas nos dariam ainda mais inteiramente a razão, ao manifestar assim sua incompreensão e sua falta de espiritualidade: como, efetivamente, poder-se-ia qualificar de outra maneira o fato de se aferrar a uma prerrogativa individual, ou ainda, a sua aparência, até o ponto de preferi-la ao conhecimento e à verdade? (3)

Notas:

(1) Ver O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, cap. XXXV.

(2) Este sentido original da palavra «faculdade» é também o do termo sânscrito correspondente indriya.

(3) Que ninguém vá opor, no que acaba de ser dito, que os «poderes» espontâneos poderiam ser o resultado de alguma iniciação recebida «no astral», quando não também em existências anteriores; deve-se entender bem que, quando falamos da iniciação, entendemos falar unicamente de coisas sérias, e não de fantasmagorias de um gosto duvidoso.

Capítulo XXII: A Repuslsa aos "Poderes"

Depois de ter mostrado o pouco interesse que apresentam na realidade os pretendidos «poderes» psíquicos, e a ausência de toda relação entre seu desenvolvimento e uma realização de ordem espiritual ou iniciática, antes de abandonar este tema, devemos insistir ainda sobre o fato de que, em vista de tal realização, não só são indiferentes e inúteis, senão, inclusive, verdadeiramente prejudiciais na maior parte dos casos. Constituem efetivamente uma «distração» no sentido rigorosamente etimológico da palavra: o homem que se deixa absorver pelas múltiplas atividades do mundo corporal nunca chegará a «centrar» sua consciência sobre realidades superiores, nem por conseguinte a desenvolver em si mesmo as possibilidades correspondentes a estas; com maior razão será o mesmo para aquele que se extravie e se «disperse» na multiplicidade, incomparavelmente mais vasta e mais variada, do mundo psíquico com suas indefinidas modalidades, e salvo circunstâncias excepcionais, é muito provável que nunca chegue a se liberar dele, sobretudo se, além do mais, faz-se sobre o valor dessas coisas ilusões que ao menos não comporta o exercício das atividades corporais.

Por isso é que qualquer pessoa que tenha a vontade bem decidida de seguir uma via iniciática, não só nunca deve procurar adquirir ou desenvolver esses muito famosos «poderes», mas sim deve, pelo contrário, caso ocorra que se apresentem a ele espontaneamente e de maneira completamente acidental, apartá-los inexoravelmente como obstáculos próprios a lhe desviar da meta única para a qual tende. Não é que seja necessário ver nisso, forçosamente, como alguns poderiam acreditá-lo muito prazerosamente, «tentações» ou «artimanhas diabólicas» no sentido literal; mas, não obstante, há algo disso, posto que o mundo da manifestação individual, tanto na ordem psíquica como na ordem corporal, quando não, talvez ainda mais, na ordem psíquica, parece de certo modo esforçar-se por todos os meios em reter àquele que sinaliza em se lhe escapar, nisso há como uma reação de forças adversas, que, assim como muitas das dificuldades de outra ordem, pode não se dever mais que a uma espécie de hostilidade inconsciente do meio. Bem entendido, posto que o homem não pode isolar-se deste meio e se fazer inteiramente independente dele enquanto não chegar à meta, ou ao menos à etapa marcada pela liberação das condições do estado individual humano, isto não exclui de maneira nenhuma que estas manifestações sejam ao mesmo tempo resultados muito naturais, embora puramente acidentais, do trabalho interior que se tem, e cujas repercussões exteriores tomam às vezes as formas mais inesperadas, que transpõem, em muito, tudo o que poderiam imaginar aqueles que não tiveram a ocasião de dar-se conta disso por si mesmos.

Por outro lado, como já o dissemos, aqueles mesmos que possuem naturalmente algumas faculdades psíquicas anormais estão por isso mesmo em desvantagem, de certa maneira, quanto a seu desenvolvimento espiritual; não só é indispensável que se desinteressem delas totalmente e que não lhes dêem nenhuma importância, mas também pode lhes ser necessário inclusive reduzir seu exercício ao mínimo, se não lhe suprimir por completo. Efetivamente, ao se recomendar restringir o mais possível o uso dos sentidos corporais, ao menos durante alguns períodos de trabalho mais ou menos prolongados, a fim de não ser distraído por eles, a mesma coisa é igualmente verdadeira para essas faculdades psíquicas; e além do mais, enquanto o homem não poderia viver se impedisse completa ou indefinidamente o exercício de seus sentidos, não há evidentemente nada disso no outro caso, e nenhum inconveniente grave pode resultar desta «inibição»; antes pelo contrário, o ser pode inclusive apenas ganhar com isso quanto a seu equilíbrio orgânico e mental, e se encontrar por conseguinte em melhores condições para empreender, sem se arriscar a ser incomodado por um estado mais ou menos patológico ou anormal, o desenvolvimento de suas possibilidades de ordem superior.

O mais freqüentemente, os produtores de «fenômenos» extraordinários são seres bastante inferiores sob o aspecto intelectual e espiritual, ou inclusive inteiramente desviados pelos «treinamentos» especiais aos quais se submeteram; é fácil compreender que aquele que passou uma parte de sua vida exercitando-se exclusivamente para a produção de um «fenômeno» qualquer, tenha sido depois incapaz de outra coisa, e que as possibilidades de outra ordem lhe estejam daí para frente irremediavelmente fechadas. Isso é o que ocorre geralmente àqueles que cedem ao atrativo do domínio psíquico: embora tivessem empreendido primeiro um trabalho de realização iniciática, encontram-se então detidos nesta via e não irão mais longe, felizes ainda se permanecerem aí e não se deixam arrastar pouco a pouco na direção que, assim como o explicamos em outra parte, vai propriamente ao reverso da espiritualidade e não pode desembocar finalmente mais que na «desintegração» do ser consciente (1); mas inclusive deixando de lado este caso extremo, a simples detenção de todo desenvolvimento espiritual é, certamente, uma conseqüência bastante grave em si mesma e que deveria fazer refletir aos aficionados aos «poderes», se não estivessem completamente cegos pelas ilusões do «mundo intermediário».

Objetar-se-á, possivelmente, que há organizações autenticamente iniciáticas que exercitam elas próprias alguns indivíduos no desenvolvimento destes «poderes»; mas a verdade é que, neste caso, os indivíduos em pauta são daqueles a quem faltam as qualificações iniciáticas, e que, pelo contrário, têm ao mesmo tempo aptidões especiais da ordem psíquica, de sorte que, em suma, é isso tudo o que é realmente possível fazer por eles. Além do mais, em tais condições, o desenvolvimento psíquico é guiado e controlado de maneira que apresente o mínimo de inconvenientes e de perigos; estes seres se beneficiam realmente do laço que se estabelece assim, embora a um nível inferior, com uma organização tradicional, e esta, por seu lado, pode utilizá-los para encargos dos quais eles mesmos não serão conscientes, não porque se lhes dissimulem propositalmente, mas unicamente porque, dada a limitação de suas possibilidades, seriam completamente incapazes de compreendê-los.

Não é necessário dizer que os perigos dos quais acabamos de falar já não existem para aquele que chegou a certo grau da realização iniciática; e inclusive se pode dizer que esse possui implicitamente todos os «poderes» sem ter que desenvolvê-los especialmente de uma maneira qualquer, por isso mesmo que domina «por cima» as forças do mundo psíquico; mas, em geral, não as exerce, porque já não podem ter nenhum interesse para ele. De uma maneira análoga, além do mais, o que penetrou algumas ciências tradicionais em sua essência profunda se desinteressa também inteiramente de sua aplicação e nunca faz nenhum uso delas; o conhecimento puro lhe basta, e, verdadeiramente, é o único que importa, posto que todo o resto não são mais que simples contingências. Além do mais, toda manifestação destas coisas é forçosamente de certo modo uma «descida», inclusive se esta não é mais que aparente e já não pode afetar realmente ao ser mesmo; é necessário não esquecer, efetivamente, que o não manifestado é superior ao manifestado, e que, por conseqüência, o fato de permanecer nesta «não manifestação» será, por assim dizer, a expressão mais adequada do estado que o ser realizou interiormente; é o que alguns traduzem simbolicamente dizendo que «a noite é preferível ao dia», e é também o que representa a figura da tartaruga retirada no interior de sua concha. Por conseguinte, se ocorrer que tal ser manifeste alguns «poderes», não será, assim como já o indicamos mais atrás, mais que em casos completamente excepcionais, e por razões particulares que escapam necessariamente à apreciação do mundo exterior, razões inteiramente diferentes, bem entendido, das que pode ter o produtor ordinário de «fenômenos»; fora deste caso, seu único modo de ação será o que a tradição extremo oriental designa como a «atividade não atuante», que, além do mais, precisamente por seu caráter de não manifestação, é a plenitude mesmo da atividade.

Recordaremos também, a este propósito, a perfeita insignificância dos fenômenos em si mesmos, posto que pode ocorrer que fenômenos completamente semelhantes exteriormente procedam de causas por completo diferentes e que nem sequer são da mesma ordem; assim, é facilmente concebível que o ser que possui um alto grau espiritual, se tiver que provocar ocasionalmente um fenômeno qualquer, não atuará nisso da mesma maneira que aquele que adquiriu a faculdade para isso pela conseqüência de «treinamentos» psíquicos, e que sua ação se exercerá segundo modalidades muito diferentes; a comparação da «teurgia» e da «magia», que estaria fora de propósito empreender aqui, daria lugar também à mesma precisão. Além do mais, esta verdade deveria ser reconhecida sem esforço, inclusive por aqueles que ficam unicamente no domínio esotérico, já que, ao se constatarem numerosos casos de «levitação» ou de «bilocação», por exemplo, na história dos Santos, encontra-se certamente outro tanto na dos bruxos; as aparências (quer dizer, precisamente os «fenômenos» como tais, no sentido próprio e etimológico da palavra) são, de fato, exatamente as mesmas nestes e naqueles, mas ninguém concluirá daí que as causas sejam também as mesmas. Do ponto de vista simplesmente teológico, de dois fatos semelhantes em todos seus pontos, um pode ser considerado como um milagre enquanto que o outro não o será, e, para discerni-los, será necessário recorrer forçosamente a marcas de uma ordem diferente, independentes dos fatos mesmos; poderíamos dizer, colocando-nos naturalmente em outro ponto de vista, que um fato será um milagre ao se dever à ação de uma influência espiritual, e que não o será caso não se deva mais que à de uma influência psíquica. É o que ilustra concretamente, de uma maneira muito clara, a luta de Moisés e dos magos do Faraó, que, além disso, representa também a das potências respectivas da iniciação e da contra-iniciação, ao menos na medida e sobre o terreno onde tal luta é efetivamente possível; entenda-se bem que, como tivemos a ocasião de explicá-lo em outra parte, a contra-iniciação não pode exercer sua ação mais que no domínio psíquico, e que tudo o que é do domínio espiritual lhe está, por sua própria natureza, absolutamente proibido (2).

Pensamos ter dito agora o suficiente sobre este tema, e, se insistimos tanto nele, inclusive muito para o gosto de alguns, é porque constatamos freqüentemente a necessidade disso; efetivamente, por pouco agradável que esta tarefa possa ser às vezes, é necessário esforçar-se em pôr àqueles a quem alguém se dirija em guarda contra os enganos que correm o risco de encontrar a cada instante em seu caminho, e que estão certamente muito longe de ser inofensivos. Para concluir em algumas palavras, diremos que a iniciação não poderia ter de maneira nenhuma como meta adquirir «poderes» que, do mesmo jeito que o mundo no qual são exercidos, não pertencem definitivamente mais que ao domínio da «grande ilusão»; para o homem em via de desenvolvimento espiritual, não se trata de se atar ainda mais fortemente a esta com novos laços, mas sim, pelo contrário, de chegar a liberar-se inteiramente dela; e esta liberação não pode ser obtida mais que pelo puro conhecimento, a condição, bem entendido, de que este não fique como simplesmente teórico, mas que possa ser plenamente efetivo, posto que é nisso apenas o que consiste a «realização» mesmo do ser a todos seus graus.

Notas:

(1) Ver O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, cap. XXXV.

(2) Ver O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, cap. XXXVIII e XXXIX.

Capítulo XXIII: Sacramentos e Ritos Iniciáticos

Dissemos precedentemente que os ritos religiosos e os ritos iniciáticos são de uma ordem essencialmente diferente e que não podem ter a mesma meta, o que resulta necessariamente da distinção mesma dos dois domínios exotérico e esotérico aos que se referem respectivamente; a produção de confusões entre uns e outros no espírito de alguns, deve-se acima de tudo a um desconhecimento desta distinção, e pode ser devida também, em parte, às semelhanças que estes ritos apresentam às vezes, apesar de tudo, ao menos em suas formas exteriores, e que podem enganar àqueles que não observam as coisas mais que «do exterior». Não obstante, a distinção é perfeitamente clara quando se trata dos ritos propriamente religiosos, que são de ordem exotérica por definição mesma, e que por conseguinte, não deveriam dar lugar a nenhuma dúvida; mas é necessário dizer que o pode ser menos em outros casos, como o de uma tradição onde não há divisão entre um exoterismo e um esoterismo que constituam como dois aspectos separados, mas sim onde há só graus diversos de conhecimento, e onde, por conseguinte, a transição de um ao outro pode ser quase insensível, tal como ocorre concretamente para a tradição hindu; esta transição gradual se traduzirá naturalmente nos ritos correspondentes, de tal maneira que alguns deles poderão apresentar, sob alguns aspectos, um caráter de certo modo misto ou intermediário.

Precisamente, é na tradição hindu onde se encontra efetivamente um dos ritos sobre os quais se pode expor mais legitimamente a questão de saber se seu caráter é ou não é iniciático; queremos falar do upanayana, quer dizer, do rito pelo qual um indivíduo é vinculado efetivamente a uma das três castas superiores, à qual, antes do cumprimento deste rito, apenas pertencia de uma maneira, que se pode dizer do todo, potencial. Este caso merece ser examinado realmente com alguma atenção e, para isso, é mister primeiro compreender bem o que deve ser entendido exatamente pelo termo samskâra, que se traduz bastante habitualmente por «sacramento»; esta tradução nos parece que está muito longe de ser satisfatória, já que, segundo uma tendência muito comum nos ocidentais, afirma uma identidade entre duas coisas que, se forem efetivamente comparáveis sob alguns aspectos, por isso são apenas muito diferentes no fundo. Para falar a verdade, não é o sentido etimológico da própria palavra «sacramento» o que dá lugar a esta objeção, já que, evidentemente, nos dois casos se trata de algo «sagrado»; além do mais, este sentido é muito extenso para que se possa tirar dele uma noção algo precisa, e se alguém ficasse aí, não importa que rito poderia ser chamado indistintamente «sacramento»; mas, de fato, esta palavra tornou-se inseparável do uso especificamente religioso e estreitamente definido que se faz dela na tradição cristã, onde designa algo cujo equivalente exato não se encontra sem dúvida em nenhuma outra parte. Assim, vale mais conformar-se a este uso para evitar todo equívoco, e reservar exclusivamente a denominação de «sacramentos» a certa categoria de ritos religiosos que pertencem em propriedade à forma tradicional cristã; é então a noção de «sacramento» a que entra na de samskâra a título de caso particular, e não o inverso; em outros termos, poder-se-á dizer que os sacramentos cristãos são samskâras, mas não que os samskâras hindus são sacramentos, já que, segundo a lógica mais elementar, o nome de um gênero convém a cada uma das espécies que estão compreendidas nele, mas, pelo contrário, o nome de uma destas espécies não poderia ser aplicado validamente nem a outra espécie nem ao gênero todo inteiro.

Um samskâra é essencialmente um rito de «agregação» a uma comunidade tradicional; esta definição, como se pode ver imediatamente, é inteiramente independente da forma particular, religiosa ou outra, que pode revestir a tradição considerada; e, no cristianismo, esta função é desempenhada pelos sacramentos, como é em outras partes por samskâras de espécie diferente. Não obstante, devemos dizer que ao termo «agregação», que acabamos de empregar, falta-lhe um pouco de precisão e inclusive de exatidão, e isso por duas razões: primeiro, se alguém se ativer rigorosamente seu sentido próprio, parece designar a própria vinculação à tradição, e então não se deveria aplicar mais que a um rito único, aquele pelo qual esta vinculação se opera de uma maneira efetiva, enquanto que, na realidade, numa mesma tradição, há certo número mais ou menos grande de samskâras; assim, é mister admitir que a «agregação» de que se trata comporta uma multiplicidade de graus ou de modalidades, que geralmente correspondem em certo modo às fases principais da vida de um indivíduo. Por outra parte, esta mesma palavra «agregação» pode dar a idéia de uma relação que permanece ainda exterior em certo sentido, como acaso se tratasse simplesmente de se juntar a um «agrupamento» ou de se aderir a uma «sociedade», enquanto que aquilo do que se trata é de uma ordem completamente diferente e implica uma assimilação que se poderia chamar «orgânica», já que se trata de uma verdadeira «transmutação» (abhisambhava) operada nos elementos sutis da individualidade. Ananda K. Coomaraswamy tem proposto, para traduzir samskâra, o termo de «integração», que nos parece efetivamente muito preferível ao de «agregação» sob estes dois pontos de vista, já que traduz muito exatamente esta idéia de assimilação e, além disso, é facilmente compreensível que uma «integração» possa ser mais ou menos completa ou profunda, e que, por conseqüência, seja suscetível de efetuar-se por graus, o que dá conta efetiva da multiplicidade dos samskâras no interior de uma mesma tradição.

É necessário destacar que uma «transmutação» como aquela da qual falávamos faz um momento tem lugar de fato, não só no caso dos samskâras, mas também no dos ritos iniciáticos (dîkshâ) (1); este é um dos caracteres que tanto os uns como os outros têm em comum, e que permitem compará-los sob alguns aspectos, quaisquer que sejam, além disso, suas diferenças essenciais. Efetivamente, nos dois casos, há igualmente transmissão ou comunicação de uma influência espiritual, e é esta influencia a que, «infundida» em certo modo pelo rito, produz na individualidade a «transmutação» em questão; mas, não terá que dizer que seus efeitos poderão estar limitados a tal ou qual domínio determinado, segundo a meta própria do rito considerado; e é precisamente por sua meta e, por conseguinte, também pelo domínio ou pela ordem de possibilidades no qual operam, pelos quais os ritos iniciáticos diferem profundamente de todos outros.

Por outra parte, a diferença que é sem dúvida a mais visível exteriormente, e por conseguinte a que deveria poder ser reconhecida mais facilmente inclusive por observadores «do exterior», é que os samskâras são comuns a todos os indivíduos que estão vinculados a uma mesma tradição, quer dizer, em suma, a todos aqueles que pertencem a certo «meio» determinado, o que dá a estes ritos um aspecto que pode chamar-se mais propriamente «social», enquanto que, pelo contrário, os ritos iniciáticos, que requerem algumas qualificações particulares, estão sempre reservados a uma elite mais ou menos restrita. Por isso, alguém pode se dar conta, pois, do engano que cometem os etnólogos e os sociólogos que, concretamente no que concerne às pretendidas «sociedades primitivas», empregam indiscriminadamente o termo de «iniciação», cujo verdadeiro sentido e alcance real pouco conhecem, evidentemente, para lhe aplicar a ritos aos quais têm acesso, em tal ou qual momento de sua existência, todos os membros de um povo ou de uma tribo; estes ritos não têm em realidade nenhum caráter iniciático, mas são propriamente verdadeiros samskâras. Além do mais, naturalmente, pode haver também, nas mesmas sociedades, ritos autenticamente iniciáticos, embora estejam mais ou menos degenerados (e talvez o estejam freqüentemente menos do que se estaria tentado a supor); mas, aí como por toda parte, esses não são acessíveis mais que a alguns indivíduos com exclusão de outros, o que, sem examinar sequer as coisas mais a fundo, deveria bastar para fazer impossível toda confusão.

Podemos voltar agora para caso mais especial, que mencionamos primeiro, do rito hindu do upanayana, que consiste essencialmente na investidura do cordão bramânico (pavitra ou upavîta), e que dá regularmente acesso ao estudo das Escrituras sagradas; trata-se de uma iniciação? Conforme parece, a questão poderia resolver-se, em suma, apenas pelo fato de que este rito é samskâra e não dîkshâ, já que isso implica que, do ponto de vista mesmo da tradição hindu, que é evidentemente o que deve constituir aqui a autoridade, não se o considera como iniciático; mas ainda pode alguém se perguntar por que é assim, apesar de algumas aparências que poderiam fazer pensar o contrário. Já indicamos que este rito está reservado aos membros das três primeiras castas; mas, para falar a verdade, esta restrição é inerente à própria constituição da sociedade tradicional hindu; assim, não basta para que se possa falar aqui de iniciação, como tampouco, por exemplo, o fato de que tais ou quais ritos estejam reservados aos homens com exclusão das mulheres, ou inversamente, permite por si mesmo lhes atribuir um caráter iniciático (basta, para convencer-se disso, citar o caso da ordenação sacerdotal cristã, que inclusive requer algumas qualificações mais particulares, e que por isso não pertence menos incontestavelmente à ordem exotérica). Fora desta única qualificação que acabamos de recordar (e que designa propriamente o termo ârya), não se requer nenhuma outra para o upanayana; por conseguinte, este rito é comum a todos os membros das três primeiras castas sem exceção, e inclusive constitui para eles uma obrigação ainda mais que um direito; agora, este caráter obrigatório, que está ligado diretamente ao que chamamos o aspecto «social» dos samskâras, não poderia existir no caso de um rito iniciático.

Um meio social, por profundamente tradicional que possa ser, não pode impor a nenhum de seus membros, quaisquer que sejam suas qualificações, a obrigação de entrar em uma organização iniciática; trata-se de algo que, por sua natureza mesma, não pode depender de nenhuma pressão mais ou menos exterior, embora seja simplesmente a pressão «moral» do que se conveio chamar a «opinião pública», que, além do mais, não pode ter evidentemente outra atitude legítima que ignorar pura e simplesmente tudo o que se refere à iniciação, posto que se trata de uma ordem de realidades que, por definição, está fechada ao conjunto da coletividade como tal. No que concerne ao upanayana, pode-se dizer que a casta apenas é virtual ou, inclusive, potencial enquanto não se cumpre este rito (posto que a qualificação requerida não é propriamente mais que a aptidão natural para formar parte dessa casta), de tal sorte que é necessário para que o indivíduo possa ocupar um lugar e uma função determinada no organismo social, já que, se sua função deve ser acima de tudo conforme a sua natureza própria, ainda é mister, para que seja capaz de desempenhá-la validamente, que esta natureza se «realize» e que não permaneça no estado de simples aptidão não desenvolvida; assim, é perfeitamente compreensível e normal que o não cumprimento deste rito nos prazos prescritos conduza uma exclusão da comunidade, ou, mais exatamente ainda, que implique em si mesmo esta exclusão.

Não obstante, terá que considerar ainda um ponto particularmente importante, um ponto que, sobretudo, é possivelmente o qual pode se prestar à confusão: o upanayana confere a qualidade de dwija ou «duas vezes nascido»; assim, designa-se-lhe expressamente como um «segundo nascimento», e se sabe que, por outra parte, esta expressão se aplica também em um sentido muito preciso à iniciação. É verdade que o batismo cristão, muito diferente além disso do upanayana em tudo o demais, é igualmente um «segundo nascimento», e é muito evidente que este rito não tem nada de comum com uma iniciação; mas, como é possível que o mesmo termo «técnico» possa ser aplicado assim, ao mesmo tempo, na ordem dos samskâras (compreendidos aí os sacramentos) e na ordem iniciática? A verdade é que o «segundo nascimento», em si mesmo e em seu sentido completamente geral, é propriamente uma regeneração psíquica (é mister prestar atenção, efetivamente, que é ao domínio psíquico ao qual se refere diretamente, e não ao domínio espiritual, já que então seria um «terceiro nascimento»); mas esta regeneração pode ter apenas efeitos psíquicos, quer dizer, limitados a uma ordem mais ou menos especial de possibilidades individuais, ou, pelo contrário, pode ser o ponto de partida de uma «realização» de ordem superior; é só neste último caso onde terá um alcance propriamente iniciático, enquanto que, no primeiro, pertence ao lado mais «exterior» das diversas formas tradicionais, quer dizer, àquele no qual todos participam indistintamente (2).

A alusão que acabamos de fazer ao batismo expõe outra questão que não carece de interesse: este rito, além de seu caráter de «segundo nascimento», apresenta também, em sua forma mesma, uma semelhança com alguns ritos iniciáticos; além do mais, pode-se destacar que esta forma se vincula à dos ritos de purificação pelos elementos, sobre os quais voltaremos um pouco mais adiante, ritos que constituem uma categoria muito geral e manifestamente suscetível de aplicação em domínios muito diferentes; mas, não obstante, é possível que nisso terei que considerar outra coisa ainda. Efetivamente, nada tem de surpreendente em que haja ritos exotéricos que se modelem, de em certo modo, sobre ritos esotéricos ou iniciáticos; se, em uma sociedade tradicional, os graus do ensino exterior puderam ser copiados dos de uma iniciação, assim como o explicaremos mais adiante, com maior razão pôde ter lugar uma parecida «exteriorização» no que concerne a uma ordem superior a esta, embora seja ainda exotérica, queremos dizer, no caso dos ritos religiosos (3). Em tudo isso, a hierarquia das relações normais se respeita rigorosamente, já que, segundo estas relações, as aplicações de ordem menos elevada ou mais exterior devem proceder daquelas que têm um caráter mais primordial; por conseguinte, se, para nos ater a estes únicos exemplos, consideramos coisas tais como o «segundo nascimento» ou como a purificação pelos elementos, é sua significação iniciática a qual é em realidade a primeira de todas, e suas demais aplicações, devem se derivar dela mais ou menos diretamente, já que não poderia haver, em nenhuma forma tradicional, nada mais primordial que a iniciação e seu domínio próprio, e é nesse lado «interior» onde reside verdadeiramente o próprio espírito de toda tradição.

Notas:

(1) Em sânscrito, a palavra dîkshâ é a que significa propriamente «iniciação», embora às vezes seja necessário melhor traduzi-la por «consagração» (Sobre a conexão destas duas idéias, cf. o que dissemos mais atrás dos diferentes sentidos do verbo grego meou); efetivamente, em alguns casos, por exemplo quando se trata de uma pessoa que oferece um sacrifício, a «consagração» designada pelo termo dîkshâ não tem mais que um efeito temporário, que é válido só para a duração do próprio sacrifício, e deverá ser renovada se, depois, a mesma pessoa venha oferecer outro sacrifício, embora seja da mesma espécie que o primeiro; é pois impossível reconhecer então nesta «consagração» o caráter de uma iniciação no verdadeiro sentido desta palavra, posto que, como já o dissemos, toda iniciação é necessariamente algo permanente, que é adquirido de uma vez por todas, e que jamais poderia se perder em quaisquer circunstâncias que sejam.

(2) A limitação dos efeitos da regeneração que se leva o cabo em modo exotérico explica por que não pode ocupar de maneira nenhuma o lugar da iniciação ou dispensar dela, embora tanto uma como outra tenham o caráter de «segundo nascimento» entendido no sentido mais geral.

(3) Pode-se destacar que, desde este ponto de vista, a ordenação religiosa representa uma «exteriorização» da iniciação sacerdotal, e a consagração dos reis uma «exteriorização» da iniciação real, determinadas a uma e a outra por condições nas que as funções correspondentes deixaram que estar reservadas a iniciados como o estavam anteriormente.

Capítulo XXIV: A Prece e o Encantamento

Acabamos de ver que há casos onde a distinção dos dois domínios exotérico e esotérico não aparece como absolutamente cortante, pelo fato mesmo da maneira particular em que estão constituídas algumas formas tradicionais, e que estabelece uma espécie de continuidade entre um e outro; há outros casos onde esta distinção é perfeitamente clara, e isso é concretamente assim quando o exoterismo reveste a forma especificamente religiosa. Para dar um exemplo preciso e bem definido destes últimos casos, consideraremos a diferença que existe entre a prece, na ordem exotérica e, por outra parte, na ordem esotérica, o que chamaremos o «encantamento», empregando termo à falta de outro mais claro do qual carecem as línguas ocidentais, e nos reservando a lhe definir exatamente a seguir. Assim que à prece, devemos fazer observar acima de tudo que esta palavra, embora na linguagem corrente é entendida freqüentemente num sentido muito vago, e embora às vezes se chegue a tomá-la como sinônimo do termo «oração» em toda sua generalidade, pensamos que convém lhe guardar ou lhe dar a significação muito mais especial e restringida que tem por sua própria etimologia, já que esta palavra «prece» significa única e exclusivamente «petição» e não pode empregar-se sem abuso para designar outra coisa; assim, será necessário não esquecer que é neste único sentido como a entenderemos no curso das considerações que vão seguir.

Primeiro, para indicar de que maneira se pode compreender a prece, consideremos uma coletividade qualquer, seja religiosa, seja simplesmente «social» no sentido mais exterior, e inclusive no sentido inteiramente profano no qual se toma mais habitualmente esta palavra em nossa época (1): cada membro desta coletividade está ligado a ela numa certa medida, determinada pela extensão da esfera de ação da coletividade da qual se trate e, nesta mesma medida, deve participar por sua vez logicamente de algumas vantagens, unicamente materiais em alguns casos (tais como o das nações atuais, por exemplo, ou o dos múltiplos gêneros de associações baseadas sobre uma pura e simples solidariedade de interesses, e não é necessário dizer que estes casos são propriamente, de uma maneira geral, aqueles nos quais se tratam de organizações completamente profanas), mas que, em outros casos, podem se referir também a modalidades extracorporais do indivíduo, quer dizer, ao que, em seu conjunto, pode-se chamar o domínio psíquico (consolações ou outros favores de ordem sentimental e, inclusive, às vezes de uma ordem mais elevada) ou que podem ainda, embora sigam sendo materiais, obter-se por meios na aparência imateriais, digamo-lo mais precisamente, pela intervenção de elementos que não pertencem à ordem corporal, mas que, não obstante, atuam diretamente sobre esta (a obtenção de uma cura pela prece é um exemplo particularmente claro deste último caso). Em tudo isso, falamos unicamente das modalidades do indivíduo, já que estas vantagens não podem transpor nunca o domínio individual, o único que alcançam de fato as coletividades, qualquer que seja seu caráter, que não constituam organizações iniciáticas (posto que estas últimas, como já o explicamos precedentemente, são as únicas que têm expressamente como meta ir mais à frente deste domínio), e que se preocupam das contingências e das aplicações especiais que apresentam um interesse prático de um ponto de vista qualquer, e não apenas, bem entendido, no sentido mais grosseiramente «utilitário», ao qual não se limitam mais que as organizações puramente profanas, cujo campo de ação não poderia estender-se mais à frente do domínio corporal.

Assim, pode-se considerar cada coletividade como dispondo, além dos meios de ação puramente materiais no sentido ordinário da palavra, quer dizer, que dependem unicamente da ordem corporal, de uma força da ordem sutil constituída de algum jeito pelas contribuições de todos seus membros passados e presentes e que, por conseguinte, é tão mais considerável e suscetível de produzir efeitos mais intensos quanto mais antiga seja a coletividade e quanto maior seja o número de membros que a compõem (2); além do mais, é evidente que esta consideração «quantitativa» indica essencialmente que se trata efetivamente do domínio individual, além do qual já não poderia intervir de maneira nenhuma. Cada um de seus membros, quando tiver necessidade disso, poderá utilizar para seu proveito uma parte desta força, e para isso lhe bastará pôr sua individualidade em harmonia com o conjunto da coletividade da qual forma parte, resultado que obterá conformando-se às regras estabelecidas por esta e apropriadas às diversas circunstâncias que podem apresentar-se; assim, se o indivíduo formular então uma petição, é em suma, da maneira mais imediata ao menos, ao que se poderia chamar o espírito da coletividade (embora a palavra «espírito» seja certamente imprópria em tal caso, posto que, no fundo, só se trata de uma entidade psíquica) a quem, conscientemente ou não, dirigirá esta petição. Não obstante, convém adicionar que nem tudo se reduz unicamente a isso em todos os casos: no das coletividades pertencentes a uma forma tradicional autêntica e regular, caso que é concretamente o das coletividades religiosas, e onde a observância das regras de que acabamos de falar consiste mais particularmente no cumprimento de alguns ritos, há além disso a intervenção de um elemento verdadeiramente «não humano», quer dizer, que chamamos propriamente uma influência espiritual, mas que aqui deve considerar-se, além do mais, como «descendendo» ao domínio individual, e exercendo sua ação nele por meio da força coletiva em que toma seu ponto de apoio (3).

Às vezes, a força da qual acabamos de falar, ou mais exatamente a síntese da influência espiritual com esta força coletiva à qual «se incorpora» por assim dizer, pode se concentrar sobre um «suporte» de ordem corporal, tal como um lugar ou um objeto determinado, que exerce o papel de um verdadeiro «condensador» (4), e produzir nele manifestações sensíveis, como as que conta a Bíblia hebraica sobre o Arca da Aliança e o Templo de Salomão; aqui se poderiam citar também como exemplos, num ou noutro grau, os lugares de peregrinação, as tumbas e as relíquias dos Santos ou de outros personagens venerados pelos aderentes de tal ou qual forma tradicional. Nisso é onde reside a causa principal dos «milagres» que se produzem nas diversas religiões, já que se trata de fatos cuja existência é incontestável e não se limitam a uma religião determinada; além do mais, não é necessário dizer que, apesar da idéia que alguém faça disso vulgarmente, estes fatos não devem ser considerados como contrários às leis naturais, como tampouco, desde outro ponto de vista, o «supra-racional» não deve tomar-se pelo «irracional». Na realidade, repetimo-lo ainda, as influências espirituais têm também suas leis, que, embora de uma ordem diferente ao das forças naturais (tanto psíquicas, quanto corporais), ainda assim não deixam de apresentar com elas algumas analogias; desta forma, é possível determinar circunstâncias particularmente favoráveis a sua ação, que poderão provocar e dirigir, se possuírem os conhecimentos necessários a este efeito, aqueles que são seus dispensadores em razão das funções das quais estão investidos numa organização tradicional. Importa destacar que os «milagres» dos quais se tratam aqui são, em si mesmos e independentemente da causa, que é a única que tem um caráter «transcendente», fenômenos puramente físicos, perceptíveis como tais por um ou vários dos cinco sentidos externos; além do mais, tais fenômenos são os únicos que podem ser constatados geral e indistintamente por toda a massa do povo ou dos «crentes» ordinários, cuja compreensão efetiva não se estende além dos limites da modalidade corporal da individualidade.

As vantagens que podem ser obtidas pela prece e pela prática dos ritos de uma coletividade social ou religiosa (ritos conhecidos por todos seus membros sem exceção, e por conseguinte, da ordem puramente exotérico e que não têm evidentemente nenhum caráter iniciático, e enquanto não se consideram como podendo servir de apoio a uma «realização» espiritual), são essencialmente relativas e contingentes, mas, entretanto, não são desdenháveis para o indivíduo, que, como tal, ele mesmo é relativo e contingente; assim, este cometeria um engano ao privar-se delas voluntariamente, se está vinculado a alguma organização capaz de procurá-las. Assim, desde que é necessário ter em conta a natureza do ser humano tal e qual é de fato, na ordem de realidade à qual pertence, não é de modo algum censurável, inclusive para aquele que é mais que um simples «crente» (fazendo aqui uma distinção entre a «crença» e o «conhecimento» que corresponde em suma à do exoterismo e o esoterismo), conformar-se com uma meta interessada, pelo motivo de ser individual, e fora de toda consideração propriamente doutrinal, às prescrições exteriores de uma religião ou de uma legislação tradicional, visto que não atribua ao que alcança assim dela mais que sua justa importância e o lugar que lhe convém legitimamente, e visto também que a coletividade não ponha para isso condições, que, embora usualmente plausíveis, constituíram uma verdadeira impossibilidade de fato nesse caso particular; sob estas únicas reservas, a prece, seja dirigida à entidade coletiva ou, por sua mediação, à influência espiritual que opera através dela, é perfeitamente lícita, inclusive a respeito da ortodoxia mais rigorosa no domínio da pura doutrina (5).

Estas considerações farão compreender melhor, pela comparação que permitem estabelecer, o que diremos agora sobre o tema do «encantamento»; é essencial destacar que o que chamamos assim não tem absolutamente nada em comum com as práticas mágicas às quais se dá às vezes o mesmo nome (6); além do mais, já nos explicamos suficientemente sobre a magia para não ser possível nenhuma confusão e para não ser necessário insistir mais nisso. O encantamento do qual falamos, contrariamente à prece, não é uma petição, e nem sequer supõe a existência de alguma coisa exterior (o que toda petição supõe forçosamente), porque a exterioridade não pode ser compreendida mais que em relação ao indivíduo, que precisamente se trata de transpor aqui; o encantamento é uma aspiração do ser para o Universal, a fim de obter o que poderíamos chamar, em uma linguagem de aparência um pouco «teológica», uma graça espiritual, quer dizer, no fundo, uma iluminação interior que, naturalmente, poderá ser mais ou menos completa segundo os casos. Aqui, a ação da influência espiritual, deve ser considerada no estado puro, caso se possa expressar assim; o ser, em lugar de procurar fazê-la descender sobre ele como o faz no caso da prece, tende, pelo contrário, a elevar-se ele mesmo para ela. Este encantamento, que se define assim como uma operação completamente interior em princípio, pode não obstante, em um grande número de casos, ser expresso e «suportado» exteriormente com palavras ou gestos, que constituem alguns ritos iniciáticos, tais como o mantra na tradição hindu ou o dhikr na tradição islâmica, e que devem ser considerados determinando vibrações rítmicas que têm uma repercussão através de um domínio razoavelmente extenso na série indefinida dos estados do ser. Que o resultado obtido efetivamente seja mais ou menos completo, como o dizíamos faz um momento, a meta a alcançar é sempre a realização em si próprio do «Homem Universal», pela comunhão perfeita da totalidade dos estados, harmônica e conformemente hierarquizada, no florescimento integral nos dois sentidos da «amplitude» e da «exaltação», quer dizer, simultaneamente, na expansão horizontal das modalidades de cada estado e na superposição vertical dos diferentes estados segundo a representação geométrica que já expusemos em outra parte com detalhes (7).

Isto nos leva a estabelecer outra distinção, se considerarmos os diversos graus aos quais se podem chegar segundo a extensão do resultado obtido ao tender para esta meta; e, primeiro, abaixo e fora da hierarquia assim estabelecida, é necessário colocar a multidão dos «profanos», quer dizer, no sentido no qual esta palavra deve ser tomada aqui, de todos aqueles que, como os simples crentes das religiões, não podem obter resultados atuais mais que em relação a sua individualidade corporal, e nos limites desta porção ou desta modalidade especial da individualidade, posto que sua consciência efetiva não vai nem mais longe nem mais alto que o domínio encerrado nestes limites restringidos. Não obstante, entre estes crentes, há-os, em pequeno número além disso, que adquirem algo mais (e esse é o caso de alguns místicos, que se poderiam considerar neste sentido como mais «intelectuais» que outros): sem sair de sua individualidade, senão em «prolongamentos» desta, percebem indiretamente algumas realidades de ordem superior, não tais como são em si mesmas, mas sim traduzidas simbolicamente e revestidas de formas psíquicas ou mentais.

Ainda se tratam de fenômenos (quer dizer, no sentido etimológico, aparências, sempre relativas e ilusórias enquanto formais), mas fenomenais supra-sensíveis, que não são constatáveis para todos, e que podem entranhar, para aqueles que os percebem, algumas certezas, sempre incompletas, fragmentárias e dispersas, mas não obstante superiores à crença pura e simples à qual substituem; além do mais, este resultado se obtém passivamente, quer dizer, sem intervenção da vontade, e pelos meios ordinários que indicam as religiões, em particular pela prece e pelo cumprimento das obras prescritas, já que tudo isso não sai ainda do domínio do exoterismo.

Num grau muito mais elevado, e inclusive já profundamente separado disso, colocam-se aqueles que, tendo estendido sua consciência até os extremos limites da individualidade integral, chegam a perceber diretamente os estados superiores de seu ser, embora sem participar deles efetivamente; aqui, estamos no domínio iniciático, mas esta iniciação, real e efetiva quanto à extensão da individualidade em suas modalidades extracorporais, ainda é apenas teórica e virtual em relação aos estados superiores, posto que a mesma não desemboca atualmente na posse destes. Produz certezas incomparavelmente mais completas, mais desenvolvidas e mais coerentes que no caso precedente, pois já não pertencem ao domínio fenomênico; não obstante, o que as adquire pode ser comparado a um homem que só conhece a luz pelos raios que chegam até ele (no caso precedente, não a conhecia mais que por reflexos, ou sombras projetadas no campo de sua consciência individual restringida, como os prisioneiros da caverna simbólica do Platão), enquanto que, para conhecer perfeitamente a luz em sua realidade íntima e essencial, é necessário remontar até sua fonte, e identificar-se mesmo com esta fonte (8). Este último caso é o que corresponde à plenitude da iniciação real e efetiva, quer dizer, à tomada de posse consciente e voluntária da totalidade dos estados do ser, segundo os dois sentidos que indicamos; esse é o resultado completo e final do encantamento, muito diferente, como se vê, de todos os que os místicos podem alcançar pela prece, já que não é outra coisa que a própria perfeição do conhecimento metafísico plenamente realizado; o Yogî da tradição hindu, ou o Sûfî da tradição islâmica, ao se entenderem estes termos em seu sentido estrito e verdadeiro, é o que chegou a este grau supremo, e que realizou assim em seu ser a possibilidade total do «Homem Universal».

Notas:

(1) Bem entendido, a constatação da existência de fato de organizações sociais puramente profanas, quer dizer, desprovidas de todo elemento que apresente um caráter tradicional, não implica de maneira nenhuma o reconhecimento de sua legitimidade.

(2) Isto pode ser verdade inclusive para organizações profanas, mas é evidente que, em todo caso, estas não podem utilizar esta força mais que inconscientemente e para resultados da ordem exclusivamente corporal.

(3) Pode-se destacar que, na doutrina cristã, o papel da influência espiritual corresponde à ação da «graça», e o da força coletiva à «comunhão dos Santos».

(4) Em parecido caso, trata-se de uma constituição comparável à de um ser vivo completo, com um «corpo» que é o «suporte» do qual se trata, uma «alma» que é a força coletiva, e um «espírito» que é naturalmente a influência espiritual que atua exteriormente pelo meio dos outros dois elementos.

(5) Entenda-se bem que «prece» não é em modo algum sinônimo de «adoração»; podem-se pedir benefícios a alguém sem «divinizá-lo» por isso de maneira nenhuma.

(6) Esta palavra «encantamento» sofreu na linguagem corrente uma degeneração semelhante à da palavra «encanto», que também se emprega usualmente na mesma acepção, enquanto que o latim carmen do qual deriva, designava, na origem, a poesia tomada em seu sentido propriamente «sagrado»; não carece talvez de interesse destacar que esta palavra carmen apresenta uma estreita semelhança com o sânscrito karma, entendido no sentido de «ação ritual» como já o dissemos.

(7) Ver O Simbolismo da Cruz.

(8) É o que a tradição islâmica designa como haqqul-yaqîn, enquanto que o grau precedente, que corresponde à «visão» sem identificação, chama-se aynul-yaqîn, e enquanto o primeiro, que os simples crentes podem obter com a ajuda do ensino tradicional exotérico, é ilmul-yaquîn.