Sobre a natureza das organizações iniciáticas, há outro engano muito freqüente, que deverá nos reter durante mais tempo que o que consiste em assimilá-las às «seitas» religiosas, já que se refere a um ponto que parece particularmente difícil de compreender pela maior parte de nossos contemporâneos, mas que consideramos completamente essencial: é que tais organizações diferem totalmente, por sua natureza mesma, de tudo o que, em nossos dias, chamam-se «sociedades» ou «associações», já que estas estão definidas por caracteres exteriores que podem faltar inteiramente naquelas e que, inclusive caso às vezes se introduzam nelas, permanecem sempre acidentais e só devem ser considerados, assim como já o indicamos do começo, apenas como os efeitos de uma espécie de degeneração, ou, caso se queira, de «contaminação», no sentido de que nisso se trata da adoção de formas profanas ou ao menos exotéricas, sem nenhuma relação com a meta real destas organizações. Assim, é completamente errôneo identificar, como se faz usualmente, «organizações iniciáticas» e «sociedades secretas»; e, primeiro, é muito evidente que as duas expressões não podem coincidir de maneira nenhuma em sua aplicação, já que, de fato, há muitos tipos de sociedades secretas, muitas das quais não têm, certamente, nada de iniciático; elas podem se constituir devido ao fato de uma simples iniciativa individual, e para uma meta qualquer; além do mais, teremos que voltar sobre isto depois. Por outra parte, e essa é sem dúvida a causa principal do engano que acabamos de mencionar, se ocorrer que uma organização iniciática toma acidentalmente, como o dizíamos faz um momento, a forma de uma sociedade, esta será forçosamente secreta, ao menos num dos sentidos que se dá a esta palavra em parecido caso, e que não sempre se tem o cuidado de distinguir com uma precisão suficiente.
Efetivamente, é mister dizer que, no uso corrente, parecem vincular-se a esta expressão de «sociedades secretas» várias significações bastante diferentes umas das outras, e que não parecem necessariamente ligadas entre elas, daí as divergências de opinião quando se trata de saber se esta designação convém realmente a tal ou a qual caso particular. Alguns querem restringi-la às associações que dissimulam sua existência, ou ao menos o nome de seus membros; outros a estendem àquelas que são simplesmente «fechadas», ou que não guardam o segredo mais que sobre algumas formas especiais, rituais ou não, adotadas por elas, sobre alguns meios de reconhecimento reservados a seus membros, ou sobre outras coisas deste gênero; e, naturalmente, os primeiros protestarão quando os segundos qualifiquem de secreta uma associação que efetivamente não poderia entrar em sua própria definição. Dizemos «protestarão» porque, muito freqüentemente as discussões deste tipo não têm um caráter inteiramente desinteressado: quando os adversários mais ou menos abertamente declarados de uma associação qualquer a chamam secreta, com razão ou sem ela, põem nisso manifestamente uma intenção polêmica e mais ou menos injuriosa, como se o segredo não pudesse ter a seus olhos mais que motivos «inconfessáveis», e inclusive se pode discernir nisso às vezes como uma espécie de ameaça um pouco disfarçada, no sentido de que há nisso uma alusão expressa à «ilegalidade» de tal associação, já que quase não há necessidade de dizer que é sempre sobre o terreno «social», quando não, inclusive, mais precisamente «político», onde se têm preferentemente semelhantes discussões. É muito compreensível que, nestas condições, os membros ou os partidários da associação em causa se esforcem em estabelecer que o epíteto de «secreta» não poderia lhe convir realmente, e que, por esta razão, não queiram aceitar mais que a definição mais limitada, a que, muito evidentemente, não poderia lhe ser aplicável. Além disso, de uma maneira completamente geral, pode-se dizer que a maior parte das discussões não tem outra causa que uma falta de entendimento sobre o sentido dos termos que se empregam; mas, quando há em jogo interesses quaisquer, assim como ocorre aqui, detrás desta divergência no emprego das palavras, é muito provável que a discussão prossiga indefinidamente, sem que os adversários nunca cheguem a ficar de acordo. Em todo caso, as contingências que intervêm nisso estão certamente muito longe do domínio iniciático, o único que nos concerne; se acreditamos dever dizer aqui algumas palavras a respeito, é unicamente para limpar o terreno de certo modo, e também porque isso bastava para mostrar que, em todas as questões que se referem às sociedades secretas ou supostas como tais, ou não se tratam de organizações iniciáticas, ou ao menos não é o caráter destas como tal o que está em causa, o que, além do mais, seria impossível por outras razões mais profundas que a continuação de nossa exposição farão compreender melhor.
Colocando-nos inteiramente fora dessas discussões e de um ponto de vista que não pode ser mais que o de um conhecimento completamente desinteressado, podemos dizer isto: uma organização, revestindo ou não suas formas particulares e, além do mais, completamente exteriores, que permitam defini-la como sociedade, poderá ser qualificada de secreta, no sentido mais amplo desta palavra, e sem que isso implique a menor intenção desfavorável (1), quando essa organização possua um segredo, de qualquer natureza que seja, e que seja tal pela força mesma das coisas ou só em virtude de uma convenção mais ou menos artificial e mais ou menos expressa. Esta definição, pensamos, é bastante ampla para que se possam fazer entrar nela todos os casos possíveis, desde o das organizações iniciáticas mais afastadas de toda manifestação exterior, até o de simples sociedades com uma meta qualquer, política ou outra, e que não têm, como o dizíamos mais atrás, nada de iniciático, e nem sequer nada de tradicional. Assim, é no interior do domínio que abrange, e nos apoiando para isso tanto quanto seja possível em seus próprios termos, como devemos fazer as distinções necessárias, e isso de uma maneira dupla, quer dizer, por uma parte, entre as organizações que são sociedades e as que não o são e, por outra, entre as que têm um caráter iniciático e as que estão desprovidas dele, já que, devido ao fato da «contaminação» que assinalamos, estas duas distinções não podem coincidir exatamente; coincidiriam apenas se as contingências históricas não tivessem conduzido, em alguns casos, uma intrusão de formas profanas em organizações que, por sua origem e por sua meta essencial, são, não obstante, de natureza incontestavelmente iniciática.
Sobre o primeiro dos dois pontos que acabamos de indicar, não há lugar para insistir muito demoradamente, já que, em suma, todo mundo sabe o que é uma «sociedade», quer dizer, uma associação que tem estatutos, regulamentos, reuniões em data e lugar fixos, que tem registro de seus membros, que possui arquivos, atas de suas sessões e outros documentos escritos, em uma palavra que está rodeada de todo um aparato exterior um pouco embaraçoso (2). Tudo isso, repetimo-lo, é perfeitamente inútil para uma organização iniciática, que, quanto a formas exteriores, não tem necessidade de nada mais que de certo conjunto de ritos e de símbolos, que, do mesmo modo que o ensino que os acompanha e os explica, devem se transmitir regularmente por tradição oral. Recordaremos também, a este propósito, que, inclusive se ocorrer às vezes que estas coisas sejam postas por escrito, isso nunca pode ser mais que a título de simples «ajuda para a memória», e que isso não poderia dispensar em nenhum caso da transmissão oral e direta, posto que somente ela permite a comunicação de uma influência espiritual, o que constitui a razão de ser fundamental de toda organização iniciática; um profano que conhecesse todos os ritos, por ter lido sua descrição nos livros, não estaria iniciado por isso, já que, é bem evidente, desse modo, a influência espiritual vinculada a esses ritos não teria sido transmitida de maneira nenhuma.
Uma conseqüência imediata do que acabamos de dizer, é que uma organização iniciática, enquanto que não toma a forma acidental de uma sociedade, com todas as manifestações exteriores que esta implica, é em certo modo «inapreensível» para o mundo profano; e se pode compreender sem esforço que ela não deixa nenhum rastro acessível às investigações dos historiadores ordinários, cujo método tem como caráter essencial se referir unicamente aos documentos escritos, que são inexistentes em parecido caso. Pelo contrário, toda sociedade, por secreta que possa ser, apresenta «exteriores» que estão forçosamente ao alcance das investigações dos profanos, «exteriores» pelos quais sempre é possível que estes cheguem a ter conhecimento dela de certa forma, inclusive se forem incapazes de penetrar sua natureza mais profunda. Não será necessário dizer que esta última restrição concerne às organizações iniciáticas que tomaram tal forma, ou diríamos de boa vontade, que degeneraram em sociedades por causa das circunstâncias e do meio onde se encontram situadas; e adicionaremos que este fenômeno nunca se produziu tão claramente como no mundo ocidental moderno, onde afeta a tudo o que subsiste ainda das organizações que podem reivindicar um caráter autenticamente iniciático inclusive se, como se constata muito freqüentemente, este caráter, em seu estado atual, chegou a ser desconhecido ou incompreendido pela maior parte de seus próprios membros. Não queremos procurar aqui as causas deste desconhecimento, que são diversas e múltiplas, e que se devem em grande parte à natureza especial da mentalidade moderna; assinalaremos apenas que esta forma de sociedade pode não ser inócua em si mesma, já que, posto o exterior tomar nelas indevidamente uma importância desproporcionada com seu valor real, o acidental acaba por ocultar completamente o essencial; e, além do mais, as semelhanças aparentes com as sociedades profanas podem ocasionar também muitos equívocos sobre a verdadeira natureza destas organizações.
Não daremos mais que um só exemplo desses equívocos, que toca muito de perto o próprio fundo de nosso tema: quando se trata de uma sociedade profana, a pessoa pode sair dela do mesmo modo que entrou, e se encontra então pura e simplesmente com o que era antes; uma demissão ou uma expulsão basta para que todo laço seja quebrado, posto que esse laço é evidentemente de uma natureza completamente exterior e não implica nenhuma modificação profunda do ser. Pelo contrário, desde que se foi admitido em uma organização iniciática, qualquer que seja, jamais, por nenhum meio, pode-se deixar de estar vinculado a ela, posto que a iniciação, por isso mesmo de que consiste essencialmente na transmissão de uma influência espiritual, é necessariamente conferida de uma vez por todas e possui um caráter propriamente indelével; trata-se de um fato da ordem «interior» contra o que nenhuma formalidade administrativa nada pode. Mas, por toda parte onde há uma sociedade, há por isso mesmo formalidades administrativas, e pode haver também demissões ou expulsões, pelas quais, segundo as aparências, deixar-se-á de formar parte da sociedade considerada; e se vê imediatamente o equívoco que resultará disso no caso onde esta não represente em suma mais que a «exterioridade» de uma organização iniciática. Por conseguinte, como todo o rigor, seria necessário fazer então, sob esta relação, uma distinção entre a sociedade e a organização iniciática como tal; e, posto que a primeira não é, como o dissemos, mais que uma simples forma acidental e «sobreposta», da qual a segunda, em si mesma e em tudo o que constitui sua essência, permanece inteiramente independente, a aplicação desta distinção apresenta na realidade muito menos dificuldades do que poderia parecer com primeira vista.
Outra conseqüência à que somos levados logicamente por estas considerações seria esta: uma sociedade, inclusive secreta, sempre pode ser o alvo de atentados provenientes do exterior, porque, em sua constituição, há elementos que se situam, caso se possa dizer, no mesmo nível que estes; assim, concretamente, poderia ser dissolvida pela ação de um poder político. Pelo contrário, a organização iniciática, por sua própria natureza mesma, escapa a tais contingências, e nenhuma força exterior pode suprimi-la; neste sentido também, é verdadeiramente «inapreensível». Efetivamente, posto que a qualidade de seus membros nunca pode ser perdida, nem lhes ser arrebatada, conserva uma existência efetiva enquanto um dentre eles permaneça vivo, e só a morte do último implicará seu desaparecimento; mas, mesmo nesta eventualidade, supõe-se que seus representantes autorizados, por razões cujos únicos juizes são eles mesmos, terão renunciado a assegurar a continuação da transmissão da qual são os depositários; e, assim, a única causa possível de sua supressão, ou melhor, de sua extinção, encontra-se necessariamente em seu próprio interior.
Enfim, toda organização iniciática é também «inapreensível» do ponto de vista de seu segredo, posto que este é tal por natureza e não por convenção, e posto que, por conseguinte, não pode ser penetrado em nenhum caso pelos profanos, hipótese que implicaria em si mesma uma contradição, já que o verdadeiro segredo iniciático não é nada mais que o «incomunicável», e só a iniciação pode dar acesso a seu conhecimento. Mas isto se refere mais à segunda das duas distinções que indicamos logo atrás, a das organizações iniciáticas e das sociedades secretas que não têm, de modo algum, esse caráter; além do mais, esta distinção, parece, deveria ser feita muito facilmente pela própria diferença da meta a que se propõem umas e outras; mas, de fato, a questão é mais complexa do que parece à primeira vista. Não obstante, há um caso que não pode oferecer nenhuma dúvida: quando alguém se encontra em presença de um agrupamento constituído para fins quaisquer e cuja origem é inteiramente conhecida, da qual se sabe que foi criada completamente por individualidades cujos nomes podem ser citados, e que não possui por conseguinte nenhuma vinculação tradicional, a pessoa pode estar segura de que este agrupamento, quaisquer que sejam, além disso, suas pretensões, não tem absolutamente nada de iniciático. A existência de formas rituais em alguns desses agrupamentos não muda nada a respeito, já que tais formas, tomadas ou imitadas das organizações iniciáticas, não são então mais que simples paródia desprovida de todo valor real; e, por outra parte, isto não se aplica apenas a organizações cujos fins são unicamente políticos ou, mais geralmente, «sociais», em qualquer um dos sentidos que se podem atribuir a esta palavra, mas também a todas essas formações modernas que chamamos pseudo-iniciáticas, compreendidas nisso aquelas que invocam uma vaga vinculação «ideal» a uma tradição qualquer.
Pelo contrário, pode haver dúvida desde que se trate de uma organização cuja origem se apresenta um pouco enigmática, e que não poderia ser atribuída a individualidades definidas; efetivamente, inclusive se suas manifestações conhecidas não têm evidentemente nenhum caráter iniciático, pode ser, não obstante, que represente uma separação ou uma degeneração de algo que era tal primitivamente. Esta separação, que pode produzir-se sobretudo sob a influência de preocupações de ordem social, supõe que a incompreensão da primeira meta e essencial aconteceu na generalidade dos membros de dita organização; além disso, pode ser mais ou menos completa, e o que subsiste ainda de organizações iniciáticas no ocidente representa, de certo modo, em seu estado atual, um estágio intermediário a este respeito. O caso extremo será aquele onde, embora se conservam não obstante as formas rituais e simbólicas, ninguém tem já a menor consciência de seu verdadeiro caráter iniciático, de sorte que apenas as interpreta em função de alguma aplicação contingente qualquer; além do mais, legítima ou não, essa não é a questão, posto que a degeneração consiste propriamente no fato de que não se considera nada além desta aplicação e do domínio mais ou menos exterior ao que ela se refere especialmente. Está bem claro que, em parecido caso, aqueles que não vêem as coisas mais que «do exterior» serão incapazes de discernir aquilo do que se trata na realidade e de fazer a distinção entre tais organizações e aquelas das quais falávamos em primeiro lugar, ainda mais que, quando estas chegarem a não ter, conscientemente ao menos, mais que uma meta similar àquela pela qual as outras foram criadas artificialmente, disso resulta uma espécie de «afinidade» de fato, em virtude da qual umas e outras podem entrar em contato mais ou menos direto, e inclusive acabar às vezes por se misturarem de maneira um pouco inextricável.
Para fazer compreender melhor o que acabamos de dizer, convém apoiarmo-nos em casos precisos; citaremos assim o exemplo de duas organizações que, exteriormente, podem parecer bastante comparáveis entre elas e que, entretanto, diferem claramente por suas origens, de tal sorte que entram respectivamente em ambas as categorias que acabamos de distinguir: os Iluminados da Baviera e os Carbonários. No que concerne aos primeiros, os fundadores são conhecidos, e se sabe de que maneira elaboraram o «sistema» por sua própria iniciativa, à margem de toda vinculação, não preexistente; sabe-se também por quais etapas sucessivas aconteceram os graus e os rituais, dos quais alguns nunca foram praticados e não existiram mais que sobre o papel; pois tudo foi posto por escrito desde o começo, e à medida que se desenvolviam e se ajustavam as idéias dos fundadores - e isso é inclusive o que fez fracassar seus planos, que, bem entendido, referiam-se exclusivamente ao domínio social e não lhe transpunham sob nenhum aspecto. Assim, não é de se duvidar que nisso não se trate mais do que a obra artificial de alguns indivíduos, e que as formas que tinham adotado não podiam constituir mais que um simulacro ou uma paródia de iniciação, posto que faltava a vinculação tradicional, e posto que a meta realmente iniciática era estranha a suas preocupações. Caso se considere, pelo contrário, o Carbonarismo, constata-se, por uma parte, que é impossível lhe atribuir uma origem «histórica» deste gênero e, por outra, que seus rituais apresentam claramente o caráter de uma «iniciação de ofício», aparentado como tal à Maçonaria e ao Companheirismo; mas, enquanto que estes guardaram sempre uma certa consciência de seu caráter iniciático, por diminuída que esteja devido à intrusão de preocupações da ordem contingente, e à parte cada vez maior que [estas preocupações] se lhes foi ocupando, parece (embora nunca se possa ser absolutamente afirmativo a este respeito, posto que um pequeno número de membros, e que não são forçosamente os chefes aparentes, podem constituir sempre a exceção à incompreensão geral, sem deixar aparentá-lo em nada) (3) que o Carbonarismo tenha levado finalmente a degeneração ao extremo, até o ponto de não ser nada mais de fato que aquela simples associação de conspiradores políticos cuja ação é conhecida na história do século XIX. Os Carbonários se mesclaram então a outras associações de fundação completamente recente e que nunca tinham tido nada de iniciático, enquanto que, por outro lado, muitos dentre eles pertenciam ao mesmo tempo à Maçonaria, o que pode explicar-se por sua vez pela afinidade das duas organizações, e por uma espécie de degeneração da própria Maçonaria, que vai no mesmo sentido, embora menos longe, que a do Carbonarismo. Quanto aos Iluminados, suas relações com a Maçonaria tiveram um caráter completamente diferente: aqueles que entraram nela não o fizeram mais que com a intenção bem determinada de adquirir uma influência preponderante e de servir-se dela como de um instrumento para a realização de seus intuitos particulares, o que fracassou, além do mais, como todo o resto; e, para dizer de passagem, por isso se vê bastante bem quão longe estão da verdade aqueles que pretendem fazer dos próprios Iluminados uma organização «maçônica». Adicionaremos também que a ambigüidade desta denominação de «Iluminados» não deve iludir a ninguém: a mesma não era tomada aí mais que em uma acepção estritamente «racionalista», e é mister não esquecer que, no século XVIII, as «luzes» tinham na Alemanha uma significação quase equivalente à da «filosofia» na França, quer dizer, que não se poderia conceber nada mais profano e inclusive mais formalmente contrário a todo espírito iniciático ou somente tradicional.
Abriremos ainda um parêntese a propósito desta última consideração: se ocorrer que idéias «filosóficas» e mais ou menos «racionalistas» se infiltrem em uma organização iniciática, é necessário não ver nisso mais que o efeito de um engano individual (ou coletivo) de seus membros, devido a sua incapacidade de compreender sua verdadeira natureza e, por conseguinte, de se guardar de toda «contaminação» profana; este engano, bem entendido, não afeta de modo algum o princípio mesmo da organização, mas é um dos sintomas desta degeneração de fato da qual falamos, degeneração que, além do mais, pode alcançar um grau mais ou menos avançado. Diremos outro tanto do «sentimentalismo» e do «moralismo», sob todas suas formas, coisas não menos profanas por sua própria natureza; além do mais, em geral, tudo isso está ligado um pouco estreitamente a um predomínio das preocupações sociais; mas é sobretudo quando estas chegam a tomar uma forma especificamente «política», no sentido mais estreito da palavra, quando a degeneração corre o risco de ser irremediável. Um dos fenômenos mais estranhos neste gênero, é a penetração das idéias «democráticas» nas organizações iniciáticas ocidentais (e naturalmente, aqui pensamos, sobretudo, na Maçonaria, ou ao menos em algumas de suas frações), sem que seus membros pareçam dispor-se de que nisso há uma contradição pura e simples, e inclusive, sob um duplo aspecto: efetivamente, por definição mesma, toda organização iniciática está em oposição formal com a concepção «democrática» e «igualitária», primeiro em relação ao mundo profano, frente ao qual ela constitui, na acepção mais exata do termo, uma «elite» separada e fechada, e depois em si mesma, pela hierarquia de graus e de funções que estabelece necessariamente entre seus próprios membros. Além disso, este fenômeno não é mais que uma das manifestações da separação do espírito ocidental moderno, que se estende e penetra por toda parte, inclusive ali onde deveria encontrar a resistência mais irredutível; e isto, por outra parte, não se aplica unicamente ao ponto de vista iniciático, mas também ao ponto de vista religioso, quer dizer, em suma, a tudo o que possui um caráter verdadeiramente tradicional.
Assim, ao lado de organizações que permaneceram puramente iniciáticas, há aquelas que, por uma razão ou por outra, degeneraram ou se desviaram mais ou menos completamente, mas que, não obstante, permanecem ainda iniciáticas em sua essência profunda, por incompreendida que esta seja em seu estado presente. Há depois aquelas que não são mais que sua contrafação ou sua caricatura, quer dizer, as organizações pseudo-iniciáticas; e finalmente há outras organizações de caráter igualmente um pouco secreto, mas que não têm nenhuma pretensão desta ordem, e que se propõem apenas metas que não têm evidentemente nenhuma relação com o domínio iniciático; mas deve-se entender bem que, sejam quais forem as aparências, as organizações pseudo-iniciáticas são na realidade tão profanas quanto estas últimas e que, assim, umas e outras não formam verdadeiramente mais que um só grupo, por oposição ao das organizações iniciáticas, puras ou «poluídas» de influências profanas. Mas, a tudo isso, é necessário adicionar ainda outra categoria, a das organizações que dependem da «contra-iniciação», e que têm certamente, no mundo atual, uma importância muito mais considerável do que se estaria tentando supor usualmente; limitar-nos-emos aqui às mencionar, sem o que nossa enumeração apresentaria uma grave lacuna, e assinalaremos apenas uma nova complicação que resulta de sua existência: ocorre em alguns casos que exercem uma influência mais ou menos direta sobre as organizações profanas, e especialmente pseudo-iniciáticas (4); daí surge uma dificuldade mais para determinar exatamente o caráter real de tal ou qual organização; mas, bem entendido, não nos vamos ocupar aqui do exame dos casos particulares, e nos basta ter indicado com suficiente claridade a classificação que convém estabelecer de uma maneira geral.
Entretanto, isso ainda não é tudo: há organizações que, embora não tenham em si mesmas mais que uma meta de ordem contingente, possuem, não obstante, uma verdadeira vinculação tradicional, porque procedem de organizações iniciáticas das quais, de certo modo, não são mais que uma emanação, e pelas quais são dirigidas «invisivelmente», embora seus chefes aparentes sejam inteiramente estranhos ao assunto. Este caso, como já o indicamos, encontra-se em particular nas organizações secretas extremo-orientais: constituídas unicamente em vista de uma meta, especial, geralmente não têm mais que uma existência passageira, e desaparecem sem deixar rastro desde que sua missão esteja cumprida; mas, na realidade, representam o último degrau, e o mais exterior de uma hierarquia que se eleva, de grau em grau, até as organizações iniciáticas mais puras e mais inacessíveis aos olhares do mundo profano. Assim, aqui não se trata em modo algum de uma degeneração das organizações iniciáticas, mas sim mais de formações expressamente desejadas por estas, sem que elas mesmas descendam a esse nível contingente e se mesclem à ação que se exerce nele, e isso para fins que, naturalmente, são muito diferentes de tudo o que pode ver ou supor um observador superficial. Recordaremos o que já dissemos mais atrás sobre este tema, ou seja, que as mais exteriores destas organizações podem se encontrar às vezes em oposição e inclusive em luta umas com outras e ter, não obstante, uma direção ou uma inspiração comum, posto que essa direção está além do domínio onde se afirma sua oposição e é a única pela qual é válida; e possivelmente isto encontraria também sua aplicação em outras partes, além do extremo oriente, embora tal hierarquização de organizações sobrepostas não se encontra, sem dúvida, em parte alguma de uma maneira tão clara e tão completa como na que depende da tradição taoísta. Têm-se aí organizações de um caráter «misto», de certo modo, das quais não se pode dizer que sejam propriamente iniciáticas, embora tampouco que sejam simplesmente profanas, posto que sua vinculação às organizações superiores confere uma participação, embora seja indireta e inconsciente, em uma tradição cuja essência é puramente iniciática (5); e algo desta essência se reencontra sempre em seus ritos e em seus símbolos para aqueles que sabem penetrar seu sentido mais profundo.
Todas as categorias de organizações que consideramos quase não têm em comum mais que o único fato de ter um segredo, qualquer que seja, além do mais, sua natureza; não será necessário dizer que, de uma a outra, esta natureza pode ser extremamente diferente: entre o verdadeiro segredo iniciático e um intuito político que se deixa oculto, ou ainda a dissimulação da existência de uma associação ou dos nomes de seus membros por razões de simples prudência, não há evidentemente nenhuma comparação possível. E ainda não falamos nisso desses agrupamentos de fantasia, como existem tantos em nossos dias e concretamente nos países anglo-saxões, que, para «arremedar» às organizações iniciáticas, adotam formas que não recobrem absolutamente nada, que estão realmente desprovidas de todo alcance e inclusive de toda significação, e sobre as quais pretendem guardar um segredo que não se justifica por nenhuma razão séria. Este último caso não tem outro interesse que mostrar bastante claramente o equívoco que se produz correntemente, no espírito do público profano, sobre a natureza do segredo iniciático; imagina-se, efetivamente, que este recaia simplesmente sobre os ritos, assim como sobre palavras e sinais empregados como meios de reconhecimento, o que faria dele um segredo tão exterior e artificial como não importa qual outro, um segredo que o seria, em suma, apenas por convenção. Agora, se tal segredo existir de fato na maior parte das organizações iniciáticas, não obstante, é apenas um elemento completamente secundário e acidental, e, para falar a verdade, não tem mais que um valor de símbolo em relação ao verdadeiro segredo iniciático, que é tal pela natureza mesma das coisas, e que, por conseguinte, nunca poderia ser traído de maneira nenhuma, posto que é de ordem puramente interior e posto que, como já o dissemos, reside propriamente no «incomunicável».