BufaloCondensado da «NaturalHistory» Por Donald Culross Peattie

A HECATOMBE DOS BÚFALOS

A aniquilação do Rei da Pradaria, o maior animal da América. Como o bisão, às manadas, que outrora chegaram a contar 50 milhões de cabeças, disputou aos colonizadores a posse do Oeste.

Publicado na "Seleções do Reader's
Digest " (*) de fevereiro de 1944.

MAIS de um milhão, talvez, de americanos terá lutado passo a passo, e no meio das maiores dificuldades, através das pradarias centrais do continente norte-americano, antes das estradas de ferro terem começado a atravessar o vasto território. Durante meio século, o maior anfitrião da América serviu este milhão de pessoas, e serviu-as regiamente, fornecendo-lhes saborosa e suculenta carne fresca, cobrindo-os com o rico agasalho das suas peles, propórcionando-lhes combustivel onde muitas vezes se não podia encontrar nem um graveto para acender uma fogueira. Mostrou-lhes o caminho para as nascentes de água, ou os vaus por onde os carros* de toldo podiam atravessar as correntes. Não é, pois, de estranhar que este herói dos tempos da «fronteira» ande imortalizado nas moedas de cinco centavos dos Estados Unidos.

Chamavam-lhe Old Man Buffalo— «Velho Búfalo». O bisão ou búfalo americano era, e é, o maior animal do novo continente. Ao atingir o máximo crescimento, a sua altura média é de 1,80 m. na espádua, e mede de 3 a 3,75m. de comprido, da cabeça à cauda. Pesa a bagatela de 900 quilos, e alguns exemplares têm chegado a pesar 1.200! Os cornos não são muito compridos, mas a largura da coroa hirsuta que os separa, é soberba.
Com esses cornos excavava o macho a terra dura da planície para nela se aninhar; podia destroçar toda uma alcatéia de lobos, estripar um cavalo, e até arrebatar cavalo e cavaleiro enfiados neles durante uns cem metros, antes de atirá-los ao chão. A fêmea, ao defender a sua cria, é mais perigosa do que o urso grizzly, e pode tornar-se um dos mais agressivos animais do mundo. E ninguém poderia sobreviver sessenta segundos, se fosse colhido no meio duma manada em estouro.

Antes da chegada dos brancos à America, o bisão era o mais numeroso de todos os grandes mamíferos terrestres. Vários têm sido os cálculos feitos pelos naturalistas, mas nenhum crê que houvesse menos de milhões de búfalos na América do Norte. Os primitivos vaqueiros não tinham palavras para descrever as manadas destes reis da planície. O Coronel Dodge, um dor maiores conhecedores da pradaria, descreve-nos uma manada com a largura de uns quarenta quilômetros que se estendia de norte a sul, até onde os olhos podiam alcançar. Na época da navegação fluvial, o trânsito no rio Missuri chegava a ser às vezes interrompido durante dias por uma manada de bisões, que atravessavam as águas a nado.

Nunca o Criador concedeu a país algum a graça de tal abundância de carne; mas, devido a um desperdício voraz, nem a terça parte dos animais abatidos era aproveitada. Havia «epicuristas» da pradaria capazes de matar xum bisão só para saborear-lhe a deliciosa língua, abandonando aos lobos todo o resto do animal. Muitas vezes matavam-se búfalos para se lhes usar a pele, e os primeiros colonizadores o faziam para engordar com eles os porcos. Milhões foram sacrificados só para se livrarem deles os terrenos.
Por volta de 1810 já os tinham forçado a migrar para alem do Mississipi, e nas florestas de leste os seus únicos vestígios eram os trilhos ou carreiros que eles tinham aberto ao marchar em longas filas. A «Estrada Sertaneja» de Don Boone seguia em parte um carreiro de búfalo desde o Tenncssee, através da garganta de Cumbérland, até os terrenos salinos do Kentucky. Muitas cidades devem a sua localização a terem os bisões um dia aberto uma estrada por ali.

O lançamento das estradas de ferro transcontinentais trouxe consigo a condenação das manadas de búfalos. Mas o velho senhor das terras não se limitou a contemplar pacificamente a invasão: tentou opor-se-lhe, derribando os postes telegráficos, plantando-se no meio dos trilhos e parando os trens; ao investir contras os vagões, despedaçava-lhes os engates.

Bufalo Trem

A Estrada de Ferro Kansas-Pacífico pagava ao Coronel William Cody o suntuoso ordenado de 500 dólares por mês, para conservar a linha livre daqueles resfolegantes brutos. Com seu bando destruidor, não só dizimou as manadas, mas forneceu diariamente ao pessoal construtor toda a carne fresca de que necessitavam. Uma vez, por uma aposta o Coronel Cody matou num só dia sessenta e nove animais. Em dezoito meses massacrou 4.280 búfalos, e foi por isso que passou a ser conhecido pela alcunha de «Búfalo Bill».
Em face a semelhante ofensiva estava escrito o trágico destino do bisão. Os enormes animais tinham que desaparecer à medida que os brancos iam avançando. Os colonizadores não podiam manter as suas fazendas, suas cercas, seus rebanhos e colheitas, na presença destes monstros ferozes. «Búfalo Jones», de Santa Fé, declarou que em 1865 existiam apenas uns 15 milhões de bisões, dos quais foram exterminados, só nesse ano, mais de um milhão. Metade dos que sobejaram foram destruidos em 1872, o ano da maior matança.
Em 1883 foi abatida em poucos dias a maior manada do Montana, uns dez mil animais: atiradores exímios vigiavam todas as nascentes de água durante as horas abrazadoras do verão, e à noite, à luz das fogueiras; e quando os pobres brutos, exasperados de sede, afrontavam as balas, para beber, nem um só escapava.

Esta matança foi devida, em grande parte, ao valor das peles, crescente à medida que elas escasseavam. Depois depositavam-nas à beira da estrada de ferro, em pilhas tão altas como as medas de feno do Kansas, numa extensão de muitos quilômetros. Para o fim, o rei da América primitiva era apenas um alvo para os atiradores esportivos. Passara a ser moda para ricos caçadores de «caça grossa» c para hóspedes ilustres «matar o último búfalo». O Gene ral Sheridan arranjou uma caçada para o grão duque Aleixo da Rússia, com o General Custer, o Coronel Cody, um grupo de batedores índios, e um esquadrão de cavalaria dos Estados Unidos, que fizeram uma batida aos últimos sobreviventes. Depois comeu-se churrasco de búfalo, regado com champanha.

Nos sítios onde no passado as manadas eram soberanas, encontram-se hoje apenas os seus esqueletos alvejantes— espalhados por uma extensão de muitos quilômetros. Fotografias da época mostram-nos a planície branca de ossadas, a perder de vista. E, mesmo depois de reduzido a esqueleto, o «Velho Bisão» continuou a ajudar o colonizador. Os ossos tinham um preço elevado no mercado, tanto para serem usados nas refinarias de açúcar, como para a fabricação de adubos químicos; e muita gente houve, dentre os antigos pioneiros, que pagou a primeira prestação da propriedade com o produto da venda de ossos de bisão que juntara ao limpar o terreno adquirido. Um comerciante fez uma fortuna, expedindo para a cidade de Kansas um carregamento de três mil carros.
Por onde quer que houvesse passado o «Velho Bisão», sempre deixou luz e calor. Muitos anos depois de terem desaparecido as suas manadas, quem viajasse através da planície desarborizada, conseguia combustível do estéreo do búfalo, e em tais fogueiras se cozinharam refeições reconfortantes, e muitas histórias foram contadas em torno a elas. Mesmo depois de terem desaparecido tais vestígios, os coloniza dores das pradarias puderam achar o caminho para as nascentes, porque os carreiros que para lá conduziam, estrumados por estes grandes animais durante gerações, estavam nitidamente marcados por uma erva maior e mais viçosa.

O terreno veio a ser afinal cultivado e vedado, as estradas de ferro cruzando a planície em várias direções. Isolados, perseguidos, os últimos bisões corriam o risco de extinção completa. O Presidente Grant opôs-se a um projeto de lei para salvá-los, e o Congresso obstruiu sucessivamente a promulgação de várias medidas destinadas à sua conservação. Alguns homens, porem, compreenderam que muita da nossa força e orgulho, muito do esplendor americano se perderia quando desaparecesse o último dos bisões.
«Coiote Errante», um índio Pend cTOreille, talvez tivesse sido o primeiro amigo provado do bisão, prestes a desaparecer. Pegou a laço quatro crias, dois machos e duas fêmeas, e destes pares é que tiveram origem os dois grandes rebanhos Allard-Pancho e Conrad, de Montana, dos quais descendem muitos dos bisões de puro sangue que existem atualmente. Em Panhandle, o Coronel Charles Goodnight, a pedido da esposa, também salvou algumas crias bravas, que atraiu à sua fazenda para as proteger, no que foi imitado por vários outros estancieiros entusiastas do Oeste. A Sociedade do Bisão Americano, fundada em 1905 por Theodore Roosevelt e outros, conseguiu juntar 50 mil dólares para criar a Reserva Nacional do Bisão, no Montana. Atualmente existem também manadas perfeitas nos estados de Nebrasca, Oklahoma, Dakota-do-Sul e Yellowstone Park, e introduziu-se um rebanho no Alasca.

AIS de um milhão, talvez, de americanos terá lutado passo a passo, e no meio das maiores dificuldades, através das pradarias centrais do continente norte-americano, antes das estradas de ferro terem começado a atravessar o vasto território. Durante meio século, o maior anfitrião da América serviu este milhão de pessoas, e serviu-as regiamente, fornecendo-lhes saborosa e suculenta carne fresca, cobrindo-os com o rico agasalho das suas peles, propórcionando-lhes combustivel onde muitas vezes se não podia encontrar nem um graveto para acender uma fogueira. Mostrou-lhes o caminho para as nascentes de água, ou os vaus por onde os carros* de toldo podiam atravessar as correntes. Não é, pois, de estranhar que este herói dos tempos da «fronteira» ande imortalizado nas moedas de cinco centavos dos Estados Unidos.

Chamavam-lhe Old Man Buffalo— «Velho Búfalo». O bisão ou búfalo americano era, e é, o maior animal do novo continente. Ao atingir o máximo crescimento, a sua altura média é de 1,80 m. na espádua, e mede de 3 a 3,75m. de comprido, da cabeça à cauda. Pesa a bagatela de 900 quilos, e alguns exemplares têm chegado a pesar 1.200! Os cornos não são muito compridos, mas a largura da coroa hirsuta que os separa, é soberba.

Com esses cornos excavava o macho a terra dura da planície para nela se aninhar; podia destroçar toda uma alcatéia de lobos, estripar um cavalo, e até arrebatar cavalo e cavaleiro enfiados neles durante uns cem metros, antes de atirá-los ao chão. A fêmea, ao defender a sua cria, é mais perigosa do que o urso grizzly, e pode tornar-se um dos mais agressivos animais do mundo. E ninguém poderia sobreviver sessenta segundos, se fosse colhido no meio duma manada em estouro.

Antes da chegada dos brancos à America, o bisão era o mais numeroso de todos os grandes mamíferos terrestres. Vários têm sido os cálculos feitos pelos naturalistas, mas nenhum crê que houvesse menos de milhões de búfalos na América do Norte. Os primitivos vaqueiros não tinham palavras para descrever as manadas destes reis da planície. O Coronel Dodge, um dor maiores conhecedores da pradaria, descreve-nos uma manada com a largura de uns quarenta quilômetros que se estendia de norte a sul, até onde os olhos podiam alcançar. Na época da navegação fluvial, o trânsito no rio Missuri chegava a ser às vezes interrompido durante dias por uma manada de bisões, que atravessavam as águas a nado.

Nunca o Criador concedeu a país algum a graça de tal abundância de carne; mas, devido a um desperdício voraz, nem a terça parte dos animais abatidos era aproveitada. Havia «epicuristas» da pradaria capazes de matar xum bisão só para saborear-lhe a deliciosa língua, abandonando aos lobos todo o resto do animal. Muitas vezes matavam-se búfalos para se lhes usar a pele, e os primeiros colonizadores o faziam para engordar com eles os porcos. Milhões foram sacrificados só para se livrarem deles os terrenos.

Por volta de 1810 já os tinham forçado a migrar para alem do Mississipi, e nas florestas de leste os seus únicos vestígios eram os trilhos ou carreiros que eles tinham aberto ao marchar em longas filas. A «Estrada Sertaneja» de Don Boone seguia em parte um carreiro de búfalo desde o Tenncssee, através da garganta de Cumbérland, até os terrenos salinos do Kentucky. Muitas cidades devem a sua localização a terem os bisões um dia aberto uma estrada por ali.

O lançamento das estradas de ferro transcontinentais trouxe consigo a condenação das manadas de búfalos. Mas o velho senhor das terras não se limitou a contemplar pacificamente a invasão: tentou opor-se-lhe, derribando os postes telegráficos, plantando-se no meio dos trilhos e parando os trens; ao investir contras os vagões, despedaçava-lhes os engates.

A Estrada de Ferro Kansas-Pacífico pagava ao Coronel William Cody o suntuoso ordenado de 500 dólares por mês, para conservar a linha livre daqueles resfolegantes brutos. Com seu bando destruidor, não só dizimou as manadas, mas forneceu diariamente ao pessoal construtor toda a carne fresca de que necessitavam. Uma vez, por uma aposta o Coronel Cody matou num só dia sessenta e nove animais. Em dezoito meses massacrou 4.280 búfalos, e foi por isso que passou a ser conhecido pela alcunha de «Búfalo Bill».

Em face a semelhante ofensiva estava escrito o trágico destino do bisão. Os enormes animais tinham que desaparecer à medida que os brancos iam avançando. Os colonizadores não podiam manter as suas fazendas, suas cercas, seus rebanhos e colheitas, na presença destes monstros ferozes. «Búfalo Jones», de Santa Fé, declarou que em 1865 existiam apenas uns 15 milhões de bisões, dos quais foram exterminados, só nesse ano, mais de um milhão. Metade dos que sobejaram foram destruidos em 1872, o ano da maior matança.

Em 1883 foi abatida em poucos dias a maior manada do Montana, uns dez mil animais: atiradores exímios vigiavam todas as nascentes de água durante as horas abrazadoras do verão, e à noite, à luz das fogueiras; e quando os pobres brutos, exasperados de sede, afrontavam as balas, para beber, nem um só escapava.

Esta matança foi devida, em grande parte, ao valor das peles, crescente à medida que elas escasseavam. Depois depositavam-nas à beira da estrada de ferro, em pilhas tão altas como as medas de feno do Kansas, numa extensão de muitos quilômetros. Para o fim, o rei da América primitiva era apenas um alvo para os atiradores esportivos. Passara a ser moda para ricos caçadores de «caça grossa» c para hóspedes ilustres «matar o último búfalo». O General Sheridan arranjou uma caçada para o grão duque Aleixo da Rússia, com o General Custer, o Coronel Cody, um grupo de batedores índios, e um esquadrão de cavalaria dos Estados Unidos, que fizeram uma batida aos últimos sobreviventes. Depois comeu-se churrasco de búfalo, regado com champanha.

Nos sítios onde no passado as manadas eram soberanas, encontram-se hoje apenas os seus esqueletos alvejantes— espalhados por uma extensão de muitos quilômetros. Fotografias da época mostram-nos a planície branca de ossadas, a perder de vista. E, mesmo depois de reduzido a esqueleto, o «Velho Bisão» continuou a ajudar o colonizador. Os ossos tinham um preço elevado no mercado, tanto para serem usados nas refinarias de açúcar, como para a fabricação de adubos químicos; e muita gente houve, dentre os antigos pioneiros, que pagou a primeira prestação da propriedade com o produto da venda de ossos de bisão que juntara ao limpar o terreno adquirido. Um comerciante fez uma fortuna, expedindo para a cidade de Kansas um carregamento de três mil carros.

Por onde quer que houvesse passado o «Velho Bisão», sempre deixou luz e calor. Muitos anos depois de terem desaparecido as suas manadas, quem viajasse através da planície desarborizada, conseguia combustível do estéreo do búfalo, e em tais fogueiras se cozinharam refeições reconfortantes, e muitas histórias foram contadas em torno a elas. Mesmo depois de terem desaparecido tais vestígios, os colonizadores das pradarias puderam achar o caminho para as nascentes, porque os carreiros que para lá conduziam, estrumados por estes grandes animais durante gerações, estavam nitidamente marcados por uma erva maior e mais viçosa.

O terreno veio a ser afinal cultivado e vedado, as estradas de ferro cruzando a planície em várias direções. Isolados, perseguidos, os últimos bisões corriam o risco de extinção completa. O Presidente Grant opôs-se a um projeto de lei para salvá-los, e o Congresso obstruiu sucessivamente a promulgação de várias medidas destinadas à sua conservação. Alguns homens, porem, compreenderam que muita da nossa força e orgulho, muito do esplendor americano se perderia quando desaparecesse o último dos bisões.

«Coiote Errante», um índio Pend cTOreille, talvez tivesse sido o primeiro amigo provado do bisão, prestes a desaparecer. Pegou a laço quatro crias, dois machos e duas fêmeas, e destes pares é que tiveram origem os dois grandes rebanhos Allard-Pancho e Conrad, de Montana, dos quais descendem muitos dos bisões de puro sangue que existem atualmente. Em Panhandle, o Coronel Charles Goodnight, a pedido da esposa, também salvou algumas crias bravas, que atraiu à sua fazenda para as proteger, no que foi imitado por vários outros estancieiros entusiastas do Oeste. A Sociedade do Bisão Americano, fundada em 1905 por Theodore Roosevelt e outros, conseguiu juntar 50 mil dólares para criar a Reserva Nacional do Bisão, no Montana. Atualmente existem também manadas perfeitas nos estados de Nebrasca, Oklahoma, Dakota-do-Sul e Yellowstone Park, e introduziu-se um rebanho no Alasca.

A população total de bisões nos Estados Unidos excede cinco mil cabeças. A natalidade de búfalos é hoje muito superior à reserva de território disponível para os conter. Os que se não querem, vendem-se aos jardins zoológicos; e se ainda fica um excesso, dá-se aos índios. Esta decisão é muito oportuna, porque para o pele vermelha o bufalo é uma criatura de origem divina, uma dádiva do Grande Espírito, que desempenha um papel importante no seu cerimonial religioso.