Guenon estuda

René Guénon: Resenhas

(por Luiz Pontual)

“La Crise du Monde Moderne”

Paris, 1946, Galllimard

“A Crise do Mundo Moderno”:

1) Tradução esgotada de Fernando Guedes Galvão para a Martins Editora, São Paulo, 1948
2) Edição portuguesa (Editorial Vega, Lisboa, 1977) com erros tipográficos e de revisão(*)

Este livro destina-se aos que, insatisfeitos com os rumos do mundo moderno, esmagadoramente materialista, buscam explicações convincentes, fora do habitual "politiquês" e/ou "economês". O autor examina as causas profundas que conduziram nosso mundo ao atual desequilíbrio, demonstrando que, a partir da Idade Média, o Ocidente se afasta com velocidade crescente dos princípios que regeram toda a humanidade até então.

Tais princípios, que supõem uma hierarquia de valores, desde os mais elevados (espirituais) aos mais elementares (materiais), estão contidos na essência mesma das civilizações tradicionais, que harmonizam o homem e a natureza. Encontramos exemplos de tais civilizações, por exemplo, nos índios norte-americanos (entre outros, Hopi e Sioux); no Tibet antes da invasão chinesa; no Japão medieval.

René Guénon, nesta obra magistral e ao mesmo tempo acessível, não alimenta falsas esperanças quanto ao futuro de nossa civilização. No entanto, nos proporciona novos e vastíssimos horizontes para avaliá-la, julgá-la e nos posicionar frente aos grandes desafios impostos pelo mundo moderno em crise.

“Introduction Générale a l’Étude des Doctrines Hindoues”
(Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus)

Paris, Les Éditions Véga, 1983
Tradução para o português por Michel Veber e Renata Veber, São Paulo, 1989 (2 volumes)

Curiosamente, René Guénon não gostou nada do título deste que foi seu primeiro livro, "batizado" por seu editor francês ; em conversa com amigos, confessou que achou-o excessivamente acadêmico, capaz de desestimular muitos interessados que, no entanto, estariam perfeitamente aptos a compreendê-lo e tirar o melhor proveito.Na verdade, este livro constitui uma introdução não apenas ao estudo das doutrinas hindus, mas a todas as doutrinas orientais autênticas, tanto é verdade que aproximadamente ¾ da obra tem alcance geral e apenas uma de suas 4 partes é dedicada exclusivamente às doutrinas hindus propriamente ditas.

O pensamento oriental difere muitíssimo do ocidental moderno, sendo em vários aspectos - nos fundamentais principalmente - inteiramente oposto. Para que tenhamos verdadeiramente aproveitamento, é necessário antes de tudo que compreendamos nossas próprias raízes, que remontam ao Cristianismo e, a partir daí, verificar os pontos em comum com as doutrinas orientais que, até a Idade Média, constituíam verdadeira identificação naquilo que é fundamental para ambas.

No entanto, a partir do Renascimento o Ocidente iniciou um processo de afastamento com velocidade crescente, baixando os olhos do céu para a terra, isto é, renegando a própria religião a um segundo plano, em favor do "progresso material", passando então a predominar cada vez mais o ponto de vista laico individualista e materialista. Chegado a este ponto, é quase incompreensível ao ocidental moderno tudo o que diga respeito à essência mesma do espírito oriental autêntico. O segundo passo de aproximação é a compreensão do significado profundo e exato de alguns conceitos fundamentais, tal como : Metafísica, Doutrina, Religião, Filosofia, Ciência, Tecnologia, Materialismo. Guénon nos explica o que deve se entender pelo termo "Tradição", as diferenças entre Religião e doutrinas iniciáticas e seus respectivos domínios ; as características do simbolismo, a diferença entre exoterismo e esoterismo.

Após esta necessária preparação, somos introduzidos às Doutrinas Hindus propriamente ditas, um universo de sabedoria cuja magnitude e magnificência nos arrebata de imediato, através de uma exposição de René Guénon magistral e clara ao mesmo tempo. O alcance desta obra magnífica foi amplamente reconhecido , especialmente por sábios orientais, como "o primeiro ocidental contemporâneo que verdadeiramente compreendeu e transmitiu ao Ocidente o espírito das doutrinas orientais autênticas".

“O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos”

“Le Règne de la Quantité et les Signes des Temps”. Paris, Gallimard, 1972
Tradução de Vítor de Oliveira, Lisboa, 1989

Hoje em dia , os sinais de desequilíbrio em nosso mundo contemporâneo são tantos que quase todos se dão conta de que algo grave está ocorrendo, em diversos níveis. Nem seria necessário mencionar o verdadeiro achincalhe que se faz das religiões e doutrinas por todo o mundo. Se esta desgraça chamada comunismo cumpriu seu nefasto e devastador papel como genocida e destruidor de religiões, o “liberalismo democrata” também cumpriu o seu lado em outro estilo : colocou acima de tudo a adoração ao dinheiro, relegando as religiões como um tipo de “decoração” moral ou ética.

A natureza, constantemente violada e “vencida”, manifesta claramente sinais ameaçadores ; a temperatura global vem aumentanto e fenômenos como “El Niño” a cada ano se reapresenta mais devastador. A família, como instituição, está em franca desagregação há décadas e hoje vemos filhos não apenas desrespeitando seus pais, mas desafiando-os. Até mesmo nas vestimentas podemos constatar sinais inquietantes : o masculino e o feminino cada vez menos se distingue e, com roupas rasgadas, muitos parecem ter gosto em se identificar com a miséria, o sujo, o devasso. A duração mesma das coisas está dramaticamente abreviada, na época dos “descartáveis”, denunciando deste modo a inconstância e a impermanência, a voracidade consumista levada a extremos inacreditáveis. Cada vez menos se distinguem os valores permanentes, princípios e fundamentos.

O resultado visível é a generalização do desequilíbrio, externo e interno às pessoas, que vivem ansiosas, sem compreender os verdadeiros motivos deste estado de coisas. “O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos” é uma obra magistral, sem paralelo, que investiga e desmascara passo a passo todas as engrenagens do sinistro plano de “desconstrução” e aniquilamento do mundo, desde a chamada “Renascença”, - que de fato constituiu efetivamente muito mais a morte de valores autênticos do que o nascimento de outros - até nossos dias, com pseudo-religiões, movimentos “holísticos” e “ecumênicos”, tudo convergindo para o estabelecimento de uma homogeneidade e hegemonia da mentalidade laica e materialista hoje dominando a tudo e a todos com velocidade alucinante, prefigurando a vinda do “Anti-Cristo”, cujo advento está previsto , sob diferentes nomes, por todas as tradições autênticas.

Oriente e Ocidente

(Inédito em português)
Tradução particular de Maria Helena Lyra da Silva Rieper

O que afasta e o que aproxima o Oriente e o Ocidente ?

Hoje em dia, quando se fala de Oriente, e mais especificamente, do Oriente tradicional, imediatamente se erguem barreiras quase intransponíveis, tal a diferença da 'fisionomia mental' que caracteriza os ocidentais modernos e os orientais. Poucos sabem que, há apenas seis séculos, o Ocidente tinha muito mais pontos em comum que divergentes, em relação ao Oriente, pois um e outro tinham suas respectivas civilizações desenvolvidas a partir de princípios semelhantes, isto é, ambos respeitavam a hierarquia natural que ordena todas as coisas, desde o mais elevado, isto é, o espiritual , até o mais baixo, o material. René Guénon, neste livro magistral, escrito com extrema clareza, nos proporciona uma `radiografia' do Ocidente moderno e suas raízes, como jamais qualquer outro autor contemporâneo havia realizado.

Na primeira parte da obra, Guénon , mostra a civilização ocidental moderna como verdadeiramente monstruosa, pois é a única que se desenvolveu num sentido exclusivamente material ; traz à luz as deformações filosóficas, desde a Renascença, que constituíram as raízes deste tipo de "desenvolvimento e progresso", termos tão em moda e ao mesmo tempo, tão insignificantes. O autor aborda os limites da ciência moderna e os preconceitos mais difundidos contra o Oriente. Na segunda parte, são examinadas as tentativas frustradas de aproximação entre o Oriente e Ocidente assim como em que termos tal objetivo poderia ser alcançado, isto é, através de um acordo sobre determinados princípios. Guénon aborda o papel que a constituição de uma elite desempenharia em tal hipótese.

A leitura desta obra nos proporciona uma visão de conjunto das raízes do mundo moderno cuja envergadura e profundidade raramente se encontra em qualquer outro autor em qualquer tempo, tornando possível uma avaliação rigorosa do que representa, em termos catastróficos, a crescente hegemonia mundial da mentalidade ocidental moderna por excelência, isto é, a mentalidade norte-americana.

A Grande Tríade

O melhor caminho para entender o Taoísmo

Dentre as tradições que ainda hoje existem, talvez a mais exótica e enigmática, aos ocidentais, seja o Taoísmo, e este é o assunto deste livro magistral de René Guénon. Não é sem razão que um grande mestre taoísta, na década de 40, confirmou Guénon como o "único ocidental contemporâneo que captou e transmitiu o verdadeiro espírito do Taoísmo".

"Tien Ti Jen", ou "Céu, Terra , Homem", estes os termos da Grande Tríade, a partir da qual Guénon inicia sua exposição, com o capítulo "Ternário e Trindade". Na seqüência, o autor esclarece o verdadeiro simbolismo e significado do Yin e Yang, tão falados e tão pouco compreendidos hoje em dia.

No capítulo sobre "Questões de Orientação", várias informações nos resgatam o verdadeiro significado da "geografia sagrada" e ali podemos tirar algumas conclusões sobre a fragilidade da transposição pura e simples do "Feng Sui" a nossos dias, como simples moda de decoradores.

Guénon aborda várias analogias que o processo iniciático taoísta guarda com as demais formas tradicionais, no capítulo sobre o "O Homem Verdadeiro e o Homem Transcendente".

A leitura deste livro magistral é, portanto, indispensável a todos que queiram ser apresentados à atmosfera da tradição taoísta e às características próprias à raça e civilização chinesas, cujos traços mentais efetivamente guardam grandes diferenças em relação aos nossos.

A Metafísica Oriental

Este pequeno porém magnífico livro é a transcrição de uma conferência de René Guénon na universidade francesa de Sorbonne, publicado originalmente em 1926 na revista “Le Voile d’Isis”.

Em pouco mais de 25 páginas, esta exposição extremamente sintética de Guénon nos oferece as indicações suficientes para compreender o âmbito da autêntica Metafísica Oriental , conceito inteiramente desconhecido para maioria de nossos contemporâneos e, para aqueles cuja forma mental foi moldada pelos vícios característicos das universidades em geral, quase que inapreensível.

A metafísica, como indica a etimologia da palavra, significa o que está além e acima da natureza, isto é, do mundo manifestado onde nos encontramos enquanto indivíduos. O termo “natureza”, por sua vez, designa “aquilo que vem a ser”, isto é “o devir” ; a palavra “princípio” designa “o que se encontra antes do começo”.
É evidente que, para a mentalidade materialista e científica, a instância espiritual simplesmente é algo inconcebível, pois para tal modo de pensar, tudo que existe pode e deve ser examinado à luz das ciências, “pragmaticamente”.

No entanto, seria relativamente fácil desmontar tal superficialidade com esta demonstração lógica irrefutável, contida no primeira estudo publicado de René Guénon, quando tinha pouco mais de 20 anos de idade :

Resumo do estudo "O Demiurgo" de René Guénon

I Como admitir que algo veio do nada? Aceitar isso implicaria um absurdo e a imediata aniquilação de tudo o que existe : o nada sendo ausência, como algo pode vir daí, sendo nada?
II Não pode haver o que não tenha princípio, mas, o que é o princípio ? Não é o Principio Único de todas as coisas?
III Se considerarmos o Universo Total, é evidente que este contém todas as coisas, pois as partes estão contidas no todo.
IV O todo é necessariamente ilimitado, pois se houvesse limite, o que estivesse além deste limite não estaria incluído no todo, e neste caso, não seria o todo.
V O que não tem limite pode ser chamado Infinito e, como contém tudo, é o Princípio de todas as coisas.
VI O Infinito é necessariamente Um, pois dois infinitos se excluiriam mutuamente.
VII Resulta disso que há o Princípio Único de todas as coisas e este é o Princípio Perfeito, pois o Princípio não pode ser tal se não for Perfeito (conjunto de todas as qualidades).
VIII O Perfeito é o Princípio Supremo e Causa Primeira. Contém todas as coisas em potência e produz todas as coisas

Como podemos constatar, tudo depende do Princípio Único e este nos remete à ordem Metafísica, que, identificando-se com o Infinito, evidentemente escapa à toda definição positiva, pois que, impondo-se-lhe qualquer tipo de limite, o que é inerente mesmo às definições, o conceito está necessariamente imperfeito.

Todos os livros que constituem a obra de René Guénon ( 26, incluídas as compilações ) encontram-se intimamente interligados, pois são várias refrações ou aspectos do Conhecimento Tradicional, que é algo “vivo” e “orgânico”, como uma autêntica fonte de água pura, inesgotável.

Podemos compará-la também a uma única jóia composta de várias pedras preciosas cujo centro diamantino muito bem pode ser considerado esta magnífica exposição sobre a Metafísica Oriental. Este livro é um dos fundamentos mais importantes da obra de René Guénon, a partir do qual se irradia toda a majestosa arquitetura tradicional do autêntico Oriente.

Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada

Este livro é uma magnífica recompilação de estudos de René Guénon sobre simbolismo, realizada com extrema dedicação por seu seguidor Michel Vâlsan, publicada originalmente em 1962, pela Gallimard, na França.

- Mas, afinal, o que é um símbolo ?

- Segundo a tradição, os símbolos fazem a intermediação entre o mundo espiritual e o mundo manifestado, onde nos encontramos presentemente. Pode-se depreender, por isso, a importância verdadeiramente transcendental que os símbolos representam para todas as formas tradicionais sem exceção, desde o Hinduísmo até o Islã, passando pelo Budismo, Taoísmo, Judaísmo, Cristianismo e todas as demais doutrinas autênticas.

É importante assinalar que a obra não se destina exclusivamente a estudiosos ou acadêmicos, mas a todos que tenham interesse sobre o assunto. Guénon demonstra grande domínio e maestria, sem ser obscuro ou impenetrável, muito pelo contrário.
Ao todo, são nada menos que 75 estudos/capítulos distribuídos em 8 partes/temas, abrangendo um amplo leque que contempla vários aspectos tradicionais de praticamente todas as religiões e doutrinas hoje existentes.

René Guénon nos fala dos símbolos de “Centro e do Mundo”, nas tradições antigas ( como os Druídas, por exemplo ), dedicando a este tema 10 estudos, entre eles, “As flores simbólicas”, “Os Guardiães da Terra Santa”, “O Zodíaco e os pontos cardeais”, e “A letra G e a swastika”.

Outro tema geral abordado é o “Simbolismo Construtivo”, com 11 estudos específicos, entre eles “Lapsit exillis”, “Pedra negra e pedra cúbica”, “Pedra bruta e pedra talhada”, “O domo e a roda”, “A porta estreita” e outros.
Sobre o simbolismo axial, temos “A árvore do mundo”, “O simbolismo da escada, “ A passagem das águas”, “Laços e nós”; sobre o simbolismo do coração, temos “O coração e o cérebro”, “O olho que tudo vê” e outros.

“Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada” é um livro importantíssimo e indispensável a quem tem verdadeiro interesse pelo assunto, de importância capital para todas as religiões e doutrinas.

(*) Errata para a edição portuguesa de Crise do Mundo Moderno.

Esperamos, desta forma, contribuir para que os editores lusitanos apresentarem a próxima tiragem sem erros.


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